Descrição de chapéu

Escalada perigosa

Retórica agressiva de Donald Trump diminui o espaço para concessões da China

O presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca
O presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca - Susan Walsh/Associated Press

As tensões entre Estados Unidos e China subiram mais um degrau na semana passada, com a declaração do presidente Donald Trump de que poderá impor novas sanções comerciais sobre as exportações do gigante asiático —desta vez, vendas de até US$ 100 bilhões anuais seriam taxadas.

Frustraram-se, assim, as expectativas de que haveria um período de trégua para negociações após a primeira rodada de tarifas recíprocas anunciada nas últimas semanas, que atingirão US$ 50 bilhões em exportações de parte a parte. 

Não é o estilo de negociação de Trump, contudo. Para ele, a retaliação chinesa às primeiras medidas foi injusta, tendo em vista o superávit de US$ 350 bilhões anuais no comércio com os EUA. Qualquer negociação, no seu entender, deveria partir da concordância do parceiro em reduzir a cifra.

Daí a aparente disposição do americano em endurecer a retórica até obter concessões claras, como faz em outros temas. Nesse caso, trata-se de ofensiva perigosa, que pode prejudicar o PIB global —o que traria consequências até para uma economia pouco aberta ao comércio como o Brasil. 

Há riscos em várias frentes, a começar pela reação da China. Se até agora a postura do país asiático foi bem medida para não aparentar fraqueza, de um lado, nem provocar os ocidentais desnecessariamente, de outro, nada garante que será assim daqui para a frente. 

Trump até pode dispor de alguns argumentos legítimos —como quando questiona exigências de transferência de tecnologia feitas a empresas interessadas em operar no mercado chinês.

Sua retórica agressiva, entretanto, diminui o espaço para concessões da nação emergente. Além disso, a dinâmica atual do comércio torna mais difícil que uma estratégia unilateral tenha sucesso.

Em contraste com a realidade que vigorava, por exemplo, nos anos 1980, quando os EUA se engajaram numa grande batalha comercial contra o Japão, então visto como grande ameaça à indústria americana, o padrão não é mais de negociação de artigos acabados. 

Hoje, as cadeias de produção são integradas, com componentes fabricados em uma infinidade de países. Assim, qualquer alta tarifária, como a anunciada agora, pode resultar em maiores custos para o próprio país que a adota. 

É possível que as escaramuças entre as duas grandes potências sejam um rito de passagem para um grande acordo, mas não se pode descartar que erros de cálculo impliquem uma escalada incontrolável, com prejuízos para todos.

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