Descrição de chapéu

Henrique Afonso Lima e Fabrício Costa: Eterno marujo

Ricardo Bonalume recebeu as duas maiores honrarias da Marinha; nada mais justo ao repórter que se sentia em casa a bordo de nossos navios

O jornalista Ricardo Bonalume, sentado diante de uma estante de livros em sua casa em São Paulo, em foto de 2005
O jornalista Ricardo Bonalume, em sua casa em São Paulo, em foto de 2005 - Maria do Carmo - 11.abr.05/Folhapress

Repórter à moda antiga, sempre que possível, Ricardo Bonalume dispensava o uso do celular. Bastavam bloco, caneta e uma máquina fotográfica obsoleta em mãos.

Além das anotações, não resistia ao hábito do registro visual. As fotografias serviam de âncora de imagem. Eram preciosas para inspirar suas reportagens, mas nem sempre oferecidas à publicação.

O vestuário despojado contrastava com o domínio para assuntos complexos. Não viajava sem a companhia de livros. Muitos deles de causar inveja aos melhores sebos de São Paulo. O bunker caseiro era motivo de orgulho. Pano de fundo para as suas principais aparições no Facebook.

Estudioso de assuntos ligados à defesa nacional, foi com a Marinha do Brasil que realizou um de seus maiores sonhos: embarcar no Navio de Desembarque de Carros de Combate (NDCC) Almirante Saboia rumo ao Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (Poit), em 2016.

O curioso é que o jornalista esperava ser transportado por um navio patrulha oceânico, mas quis o destino que ele tivesse um encontro com o NDCC Almirante Saboia (ex-RFA Sir Bedivere, da Marinha Real Britânica). Era como voltar no tempo. Na mesma hora, resgatou suas lembranças da cobertura da Guerra das Malvinas de 1982.

Nessa comissão, Bonalume conseguiu conciliar a paixão por assuntos militares e científicos. Cobriu exercícios militares a bordo do "Saboia". Proferiu palestra sobre a Guerra das Malvinas. Descobriu que mais de 50 projetos de pesquisa estavam em andamento no Poit.

O desejo de pisar em Trindade foi saciado: 59 anos depois que a Marinha começou a administrar a região e cinco anos após a criação da Estação Científica.

Saudosista, lembrava o quanto embarcou nos navios da Marinha nas décadas de 80 e 90. Menos de dois anos antes de falecer, no último dia 24 de março, teve a oportunidade de se encontrar com a Marinha do presente, cobrindo uma missão na embarcação mais relevante da Força Naval: o Navio Doca Multipropósito Bahia, capitânia da esquadra brasileira. Em visita à Força de Submarinos, em Niterói (RJ), ficou espantado com o espaço reduzido dentro do submarino Tapajó. Mesmo com dificuldade de locomoção, fez questão de rodar todos os compartimentos e conversar com os tripulantes que via pela frente. 

Em 1985, já como repórter desta Folha, esteve nas instalações da Marinha em Iperó, a noroeste de Sorocaba (SP), a fim de realizar reportagem sobre o enriquecimento do urânio através de ultracentrífugas.

Passados 32 anos, voltou ao mesmo local. Ficou impressionado com o desenvolvimento tecnológico do primeiro submarino brasileiro com propulsão nuclear. Quis andar por todo o canteiro de obras. Fez inúmeras perguntas. Foi Bonalume do início ao fim.

Mistura de bonachão com vagalume, com doses de ceticismo, mau humor e implicância, Bonalume fazia-se de ingênuo no uso das tecnologias e preferia contar histórias tête-à-tête. Tinha luz própria como esses insetos. Não precisava se impor pela aparência. A mente brilhante logo chamava a atenção de quem estivesse à sua volta. Autodidata para assuntos militares e dotado de humor ácido, não se esquivava dos assuntos espinhosos com a propriedade de um decano do jornalismo. 

A Marinha dividiu a alegria de reconhecer as qualidades do saudoso jornalista, com as duas maiores honrarias da Força Naval: Ordem do Mérito Naval e Medalha Mérito Tamandaré. Nada mais justo a um repórter com espírito marinheiro e disposição de guerreiro, que se sentia em casa quando caminhava em nossos conveses, a bordo dos nossos navios. Bons ventos e mares tranquilos ao eterno marujo Bona.

Henrique Afonso Lima

É capitão de fragata da Marinha do Brasil

Fabrício Costa

É capitão-tenente da Marinha; ambos são oficiais do departamento de imprensa do Centro de Comunicação Social da Marinha

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.