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O projeto de lei que altera atribuições dos órgãos de controle será benéfico para a administração pública? NÃO

Pela segurança de quem?

Dimas Ramalho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em evento em 2016
Dimas Ramalho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em evento em 2016 - Bruno Poletti - 9.jun.16/Folhapress
Dimas Ramalho

Há dois anos, escrevi ensaio recomendando serenidade para superação da crise nacional. Defendi, recorrendo a Gramsci (1891-1937), que, em tempos de interregno, a pouca capacidade de resposta do modelo velho é terreno fértil para o enfraquecimento do nascituro.

É, portanto, nosso dever garantir que "o novo tenha um final de gestação regido pela calma, tolerância, e prudência", sob a vigília dos direitos e princípios estruturais do Estado de Direito.

Só assim as instituições e a Constituição terão força e capacidade suficientes para realizar os legítimos anseios sociais.

Revitalizo esse espírito por notar que a instabilidade marcha rumo à desestruturação da Lei Maior, do sistema legal, e já alcança a atividade judiciária, ao brado de excesso de garantias, proliferação de leis conflitantes, relativismo judicial.

O projeto de lei nº 7.448/2017, conquanto vise à "segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público", pode alimentar o que pretende combater. Sob o pretexto de qualificar a atividade administrativa, judiciária e dos órgãos de controle, impõe que as decisões antevejam as consequências jurídicas e administrativas.

A subsunção dos efeitos do ato ou da decisão revisora limita o seu alcance e empobrece a integração ou interpretação quanto a eventos que ensejem adoção de medidas concretas, mas que não se amoldem aos limites presumidos.

Além da criação de novas lacunas, a norma propicia discussões à margem dos propósitos da administração e da Justiça.

O artigo 23, que obriga a elaboração de regime de transição para cumprimento de decisão fundada em novo direito, assenta-se sobre conceitos indeterminados, suficientes a ensejar intensa atividade judiciária, em discussões deletérias à efetividade e à eficiência administrativa.

Não é só. O artigo 25 do PL autoriza a proposição de ação declaratória de validade de ato administrativo, blindando-o com decisão judicial erga omnes (que vale para todos os casos) contra questionamentos futuros, mesmo que da atividade decorram danos a terceiros ou à própria administração.

Mesmo os órgãos de controle, como os Tribunais de Contas, estariam destituídos de suas competências judicantes.

Cria-se, assim, uma segurança antidemocrática e inconstitucional, por inversão de valores e princípios.
Existem aspectos positivos, como o dever geral de motivação, a institucionalização de termos de compromisso; a previsão de consultas públicas, que fortalecem o Estado democrático de Direito.

Parte desses dispositivos, contudo, já compõe a rotina administrativa, amparada pela doutrina, súmulas, princípios e jurisprudência. Bem por isso, seria salutar que o artigo 30 do PL priorizasse a concretude desses precedentes normativos e/ou costumeiros. Ao revés, estimula a proliferação concorrente de atos normativos, regulamentos e novas súmulas.

As novidades implicam risco à dinâmica da atividade administrativa e ensejam dúvidas acerca de sua adequação em face dos desafios enfrentados por órgãos, gestores, autoridades e sociedade.

Pretendeu-se, aqui, alertar que os efeitos colaterais desses novos instrumentos podem agravar as deficiências que pretendem solucionar. A segurança jurídica almejada pode não apenas se frustrar, como, ao fim, pesar sobre princípios democráticos, essenciais ao porvir.

E estes já exigem, tanto dos aplicadores da lei quanto dos destinatários, análises de nuances não raro complexas e nem sempre capturadas de antemão. A dinâmica procedimental que se vislumbra pode desbotar a maturidade institucional e o espírito de justiça, tão frágeis no atual momento.

Dimas Ramalho

Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, é vice-presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil

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