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Oded Grajew: Novo modelo econômico

Caro Clóvis Rossi, o problema está na falta de vontade política e de consciência de poderosos que resistem ferozmente  a qualquer mudança

Oded Grajew, da Rede Nossa São Paulo, em seu escritório no bairro de Pinheiros, em 2013
Oded Grajew, da Rede Nossa São Paulo, em seu escritório no bairro de Pinheiros, em 2013 - Leticia Moreira - 15.jan.13/Folhapress

O jornalista Clóvis Rossi, a quem admiro por sua competência e integridade jornalística, publicou na sua coluna nesta Folha (26/3) um artigo no qual lamenta não termos até hoje uma proposta de modelo econômico que "ofereça esperança às pessoas".

Cita-me como idealizador do Fórum Social Mundial (FSM), cujo lema é "Um Outro Mundo É Possível" e que, segundo ele, tampouco conseguiu apresentar uma proposta de outro modelo econômico.

Não é por acaso que o Fórum Social Mundial nasceu em oposição ao Fórum Econômico Mundial (FEM). O modelo econômico defendido e propagado pelo FEM produziu uma sociedade em que, segundo relatório da Oxfam, 82% de todo o crescimento de riqueza gerada no último ano foram para o 1% mais ricos; 42 pessoas detêm a mesma riqueza que os 3,7 bilhões mais pobres; e o 1% mais rico detém mais riqueza que todo o resto da humanidade. No período compreendido entre 2006 e 2015, os trabalhadores viram sua renda aumentar em média 2% ao ano, enquanto a riqueza dos bilionários aumentou em média 13% ao ano.

Nossa biodiversidade e nossas florestas estão sendo dizimadas, e o aquecimento global produz alterações climáticas extremas, transformando terras férteis em desertos, elevando o nível dos mares e ameaçando a própria existência da espécie humana.

Um novo modelo econômico deveria ter como eixo central a redução das desigualdades e a preservação dos nossos recursos naturais e a vida no planeta. Para isso não faltam propostas. Alguns exemplos: um sistema fiscal e tributário que seja progressivo, que obrigue os ricos a pagarem proporcionalmente mais do que os pobres.

Um imposto internacional sobre todas as transações financeiras mundiais (mesmo com uma alíquota baixíssima) e o fim dos paraísos fiscais (que subtraem enormes recursos dos cofres públicos) permitiriam assegurar uma renda mínima universal a todos os habitantes do planeta. Seria o fim da miséria e da pobreza. Os enormes investimentos militares deveriam ser alocados em boa parte para investimentos sociais nos países mais pobres.

As tecnologias hoje disponíveis permitiriam mudar completamente o modelo energético baseado no petróleo e nos combustíveis fósseis. 

Os recursos públicos deveriam incentivar os trabalhos não poluentes, aqueles que não agridem o meio ambiente: trabalhos nas áreas artística, cultural, esportiva, educacional, científica, médica e de preservação ambiental; atividades de apoio aos grupos sociais mais vulneráveis como crianças, pessoas com deficiência e idosos. Seria estabelecido um ciclo econômico virtuoso no qual as pessoas seriam remuneradas para melhorar a qualidade de vida da população.

Acontece que nosso problema, caro Clóvis, não está na falta de ideias, propostas, recursos e conhecimentos para um novo modelo econômico. Está na falta de vontade política e de consciência de grupos poderosos econômica e politicamente que dominam nossa sociedade e os sistemas políticos, e que resistem ferozmente a toda e qualquer medida que mude o atual modelo.

O próprio Clóvis Rossi relata no seu artigo que cobrou do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a mudança prometida no sistema tributário brasileiro e teve como resposta: "É muito difícil".

Governos, organizações públicas e privadas, lideranças e cidadãos precisam se articular em nível local, nacional e mundial para que possam ser implementadas as propostas, já existentes, de um modelo econômico que priorize a redução das desigualdades e a preservação da vida no planeta. Precisam ganhar força política para mudar as prioridades e evitar o desastre ao qual o atual modelo econômico está nos levando, no Brasil e no mundo.

Oded Grajew

Presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, presidente emérito do Instituto Ethos e conselheiro da Rede Nossa São Paulo e do programa Cidades Sustentáveis

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