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Risco de retrocesso

Negando habeas corpus a Palocci, Supremo Tribunal Federal abre caminho para abusos

Cercado por policiais, o ex-ministro Antonio Palocci deixa o IML de Curitiba, em 2016
Cercado por policiais, o ex-ministro Antonio Palocci deixa o IML de Curitiba, em 2016 - Rodolfo Buhrer - 26.set.16/Reuters

São preocupantes os sinais de desequilíbrio emitidos pela maioria do Supremo Tribunal Federal ao negar pedido de habeas corpus em favor do ex-ministro Antonio Palocci —já condenado em primeira instância pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Certamente, não são pequenas, nem inéditas, as irregularidades atribuídas a esse personagem. Vêm de longe as evidências de sua sistemática agressão às leis e aos padrões da ética republicana.

Há desde a longínqua licitação viciada para a alimentação escolar na Prefeitura de Ribeirão Preto até sua presença nas planilhas de propina da Odebrecht, passando especialmente pelo infame episódio em que se quebrou o sigilo bancário de um simples caseiro.

O pedido de habeas corpus não contestava diretamente as sérias acusações que pesam contra Palocci. Tratava do virtual abuso que consiste em manter o ex-ministro preso em caráter preventivo, isto é, sem estabelecimento formal de sua culpa em segunda instância.

Essa modalidade de encarceramento constitui recurso legítimo à disposição das autoridades, quando se considera existir claro risco à ordem pública no caso de um réu continuar em liberdade durante o andamento do processo.

Com certeza, não é este o caso do ex-ministro, hoje notoriamente excluído dos círculos políticos e econômicos que frequentou, por anos, com prestígio e influência.

Até o argumento de que estaria persistindo nos crimes de lavagem de dinheiro se mostrou inconsistente. Numa breve (e ignorada) intervenção do advogado durante a sessão do STF, esclareceu-se não ter sido bloqueada pelo juiz Sergio Moro uma parcela de recursos financeiros que Palocci havia sido acusado de manipular.

Mesmo assim, por 7 votos a 4, foi negado o seu direito constitucional à liberdade.

Preso “provisoriamente” desde setembro de 2016, Palocci não representa, infelizmente, caso excepcional num país em que 40% da população carcerária não foi objeto de condenação.

Se a impunidade dos poderosos torna necessários limites à multiplicação de recursos protelatórios nos tribunais, é também inegável a presença de uma distorção em sentido inverso —prisões preventivas que se arrastam por meses e anos.

A maioria da corte abriu brecha para o encarceramento abusivo. Sem controle, todo poder, ainda que bem-intencionado, degenera em arbítrio. Não prenuncia nada de bom um Supremo Tribunal que se submete às tentações da popularidade justiceira.

O combate à corrupção, por urgente que seja, não pode justificar esse tipo de retrocesso.

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