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A reeleição de Nicolás Maduro na Venezuela foi legítima? NÃO

A posição do governo brasileiro

O ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, em evento em Brasília
O ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, em evento em Brasília - Pedro Ladeira - 30.nov.17/Folhapress
Aloysio Nunes Ferreira

As eleições presidenciais na Venezuela confirmaram o caráter autoritário do governo Maduro. Para começar, o pleito foi convocado fora de hora pela Assembleia Nacional Constituinte, órgão desprovido de legalidade e criado pelo regime com o objetivo de subtrair os poderes da Assembleia Nacional.

Organizadas pelo Conselho Nacional Eleitoral, sob controle do governo, as eleições tampouco foram reguladas por regras equânimes e transparentes. Não bastasse seu vício de origem, o pleito foi realizado com partidos e lideranças políticas de oposição inabilitados, numerosos presos políticos e sem observação internacional independente.

A desilusão dos eleitores com o jogo de cartas marcadas refletiu-se em elevado grau de abstenção, que só não foi maior porque o regime recorreu ao clientelismo e à coação.

Por essas razões, o processo que manteve Maduro no poder carece absolutamente de legitimidade e credibilidade. Em vez de abrir caminho para a reconciliação nacional e o restabelecimento da democracia, aprofunda a crise política e agrava a situação econômica, social e humanitária no país vizinho.

Não há como eximir o autoritarismo venezuelano de críticas sob o argumento da soberania nacional. Em sua condição de membro do Mercosul e da OEA, o país contraiu obrigações com a democracia representativa e seus atributos fundamentais, como a liberdade de expressão e reunião, a separação de Poderes e a alternância no poder.

Foi por descumprir tais compromissos que a Venezuela sob Maduro foi suspensa do Mercosul e está sujeita à aplicação da Carta Democrática Interamericana, ambos os passos apoiados pelo Brasil. A propósito, pleitearemos na 48ª Assembleia Geral da OEA, agora em junho, que a organização volte a deixar claro que o continente rejeita o arbítrio e a violação sistemática dos direitos humanos na Venezuela.

O governo Maduro tem sido pródigo em gestos inamistosos com o Brasil. Singularizo a expulsão de nosso embaixador. Adotamos a reciprocidade, como não poderia deixar de ser, mas não temos negligenciado a necessidade de alguma interlocução com as autoridades venezuelanas sobre assuntos de interesse comum, como segurança nas fronteiras e vigilância sanitária. Além de ter oferecido doações de medicamentos, o Brasil propôs cooperação em saúde pública. Não houve resposta.

O Brasil também busca acolher com dignidade as dezenas de milhares de cidadãos venezuelanos que chegam a nosso país. Desde fevereiro, quando o governo federal trouxe a si a responsabilidade pelo acolhimento e interiorização dos migrantes, foram realizados avanços impressionantes.

A fronteira foi ordenada; a quase totalidade dos vulneráveis está ou estará, muito em breve, plenamente assistida; e centenas deles foram voluntariamente transferidos de Roraima para outros estados. O governo federal adota políticas inspiradas nas boas práticas das Nações Unidas.

A solução para a crise, porém, não se encontra no Brasil ou alhures. Está nas mãos dos venezuelanos.

É imperativo que o presidente Maduro assuma a responsabilidade de pactuar o quanto antes com a oposição uma transição que permita ao querido povo venezuelano, que tem e terá no Brasil um aliado de primeira hora, o usufruto das liberdades fundamentais e seu reencontro com a democracia.

Aloysio Nunes Ferreira

Advogado, ex-senador (PSDB-SP) e ex-ministro da Justiça (2001-2002, governo FHC)

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