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A saga do Carandiru

Passados mais de 25 anos desde o massacre, é quase como se nada tivesse acontecido

Corredor de pavilhão da Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, alagado de sangue após intervenção da Polícia Militar,  em outubro de 1992
Corredor de pavilhão da Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, alagado de sangue após intervenção da Polícia Militar, em outubro de 1992 - Niels Andreas - 2.out.92/Folhapress

Aos 2 de outubro de 1992, policiais militares invadiram a Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecida como o Carandiru, para conter uma rebelião e, ao cabo da tarefa, mataram 111 presos.

Há motivos para suspeitar de uma ação homicida deliberada, já que cada detento morto recebeu, em média, cinco tiros, enquanto nenhum policial foi alvejado; sobreviventes foram forçados a tirar as roupas e a empilhar os corpos; a cena do crime foi alterada.

Caberia aos órgãos de investigação esclarecer todas as dúvidas em torno da operação; a Promotoria deveria ter denunciado os participantes após destrinchar cuidadosamente as responsabilidades individuais; a Justiça deveria tê-los julgado de acordo com as provas.

Entretanto passados mais de 25 anos desde o massacre, é quase como se nada tivesse acontecido.

Pior, nesse um quarto de século houve tantas reviravoltas processuais que o sinal transmitido à sociedade é o de que o Judiciário não consegue tomar decisões em tempo hábil e, quando se pronuncia, acaba por causar mais confusão.

Com efeito, após quase dois anos de debates sobre intricadas tecnicalidades jurídicas, a recente decisão do Tribunal de Justiça paulista de manter a anulação dos cinco júris —que haviam condenado 74 policiais militares a penas que variavam entre 48 e 624 anos— suscita dúvidas inquietantes.

Ela tanto pode levar à realização de novos julgamentos como recolocar em discussão os embargos infringentes, nos quais um desembargador defendeu a absolvição dos réus com base no fato de que as condutas não foram individualizadas o bastante. É possível ainda que tudo termine em prescrição.

A tese do desembargador não é descabida, mas tampouco é nova. Se houve mesmo falha do Ministério Público na descrição dos atos de cada suspeito, ela está presente desde as denúncias. Levar mais de duas décadas para constatar isso —na hipótese de ser esse o desfecho do caso— parece absurdo.

Processos precisam ter fim, ou se cria insegurança jurídica. O julgamento do Carandiru, na verdade, se desenrola como uma crônica do lamentável estado da Justiça brasileira, que gasta tanto tempo para não chegar a nenhuma conclusão sobre o maior massacre de presos da história do país.

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