Descrição de chapéu
Venezuela

A urna não decide

Controle das instituições e risco de fraude põem processo nas mãos do chavismo

Nicolás Maduro durante discurso observadores internacionais no Palácio Miraflores, em Caracas
Nicolás Maduro durante discurso observadores internacionais no Palácio Miraflores, em Caracas - Str/Xinhua

O chavismo deformou de tal maneira o sistema eleitoral da Venezuela que, nos últimos anos, o voto dos cidadãos não representa, por si só, a parte fundamental do processo. Tudo depende de quão favorável para o governo se mostra o cenário que advém das urnas.

Esse raciocínio vale para o pleito presidencial deste domingo (20), em que o ditador Nicolás Maduro tem como rival o ex-chavista Henri Falcón na tentativa de se reeleger para outro mandato de seis anos.

Pesquisa do instituto Datanálisis apontou vantagem para o desafiante (30% a 20%). Seria lógico apostar numa vitória da oposição; afinal, o país está em ruínas, com números catastróficos. Só para este ano, a previsão de inflação beira 13.000%, a mais alta do mundo, e se espera retração de 15% na economia, segundo o FMI.

Entretanto nenhum venezuelano se arrisca a confiar em sondagens ou mesmo na genuína vontade popular, posto que o Executivo controla o Conselho Nacional Eleitoral, que referenda os pleitos.

Desde que o antichavismo obteve surpreendente maioria na Assembleia Nacional na disputa legislativa de 2015, a interferência de Maduro sobre o CNE tem sido escancarada —coincidência ou não, de lá para cá não houve mais sufrágio com derrota governista.

Cumpre ressaltar, ainda, os nada desprezíveis mecanismos de coerção sobre o eleitorado. Críticos acusam o regime de usar o “carnê da pátria” —com o qual se coordena o programa de distribuição de benefícios sociais a quase 4 milhões de famílias— como forma de monitorar o voto da clientela. 

Não há certeza de que o cadastro desse documento esteja integrado ao registro dos eleitores. As suspeitas se reforçam, porém, por causa dos “pontos vermelhos”, tendas improvisadas ao lado das zonas de votação em que a apresentação do carnê poderia render bonificação ao beneficiário —algo que o governo não confirma.

Ademais, não se descarta o expediente da fraude, tal como no processo em que se elegeu, no ano passado, um simulacro de Assembleia Constituinte 100% oficialista, pois a oposição boicotou o pleito.

Na improvável hipótese de Falcón obter mais votos e ser declarado vencedor, pairam dúvidas sobre o que fará Maduro. Como a posse está marcada apenas para janeiro, ele teria tempo o bastante para articular alguma manobra por meio da Constituinte e, desta feita, inviabilizar a próxima gestão.

Também se especula sobre a autêntica natureza opositora do desafiante, dado seu passado ligado a Hugo Chávez (1954-2013). Os principais líderes antichavistas foram impedidos pela Justiça, leal ao ditador, de participar da eleição. O fato de Falcón não ter sido cerceado tornou-se objeto de desconfiança.

Este diz que, se vitorioso, buscará o diálogo e a conciliação. Trata-se de medida urgente para a Venezuela, mas infelizmente só factível se o regime assim quiser.

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