A greve dos caminhoneiros, independentemente das causas e da razoabilidade de sua justificativa, escancarou o grave problema inerente ao desenvolvimento da estrutura nacional de transportes.
Ao desprezar a construção de ferrovias e hidrovias, em todo o século passado e nas duas primeiras décadas do presente, tornamo-nos reféns do modal rodoviário, algo inconcebível, em especial num país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados e 209 milhões de habitantes, segundo a mais recente projeção demográfica do IBGE.
É uma irresponsabilidade histórica sujeitar a quinta maior população do planeta à insegurança alimentar resultante do desabastecimento provocado pela paralisação de um único setor de atividade. Com a frota de caminhões inerte e obstruindo vias, houve falência instantânea da logística de distribuição de produtos agropecuários e da agroindústria.
Colocou-se em alto risco o fornecimento de gêneros de primeira necessidade, além do grande prejuízo relativo à interrupção da produção das fábricas, por falta de matéria-prima, dificuldade de reposição dos estoques de medicamentos no sistema hospitalar, voos suspensos em aeroportos nos quais os combustíveis acabaram, bombas vazias nos postos e todo um povo coibido em seu direito constitucional de ir e vir.
Os caminhoneiros prestam relevantes serviços ao país, que depende deles para movimentar a economia. Por isso, seria importante que fizessem reflexão mais serena sobre sua responsabilidade perante a nação. Contudo, o maior problema não está no seu protesto e na forma como o externam, mas sim na incapacidade logística de prover as cadeias de suprimento.
O Brasil priorizou no século 20 o modal rodoviário e automotivo. As ferrovias, muito ao contrário do que deveria ocorrer e na contramão do mundo, foram quase extintas. Há muito tempo, não existem nem sequer trens de passageiros.
Tivemos, desde a redemocratização em 1985 e, principalmente após o Plano Real, em 1994, que modernizou a economia, quase 30 anos para corrigir os rumos do desenvolvimento da infraestrutura de transportes. Mas nada foi feito. As parcerias público-privadas, alternativa inteligente para investimentos em linhas férreas, hidrovias, portos e aeroportos, mal saíram do papel. Insegurança jurídica, cláusulas pouco atrativas à iniciativa privada e mudança contínua das regras do jogo afugentaram o aporte de capitais.
Para se ter ideia de como o Brasil tem sido incompetente na modernização da infraestrutura, eis um exemplo didático: a complexa construção do Eurotúnel, numa extensão de 50,5 quilômetros sob o mar, demorou apenas oito anos, entre a sanção do decreto franco-britânico autorizando a obra no Canal da Mancha, em 1986, e a sua inauguração, em 1994. Solucionou-se, assim, um grande gargalo logístico.
Contraponto: a ligação ferroviária expressa entre o centro da cidade de São Paulo e o Aeroporto Internacional Governador André Franco Montoro, em Cumbica, Guarulhos, foi anunciada em 2002 e, depois, novamente, em 2007 e em 2009. Jamais se construiu. Optou-se, somente em 2011, por um prolongamento da linha da CPTM, inaugurado em 2018...
Ao longo do tempo, há numerosos empreendimentos frustrados, como o trem de alta velocidade entre o Rio de Janeiro e São Paulo e “sonhos” de hidrovias modernas que jamais saíram do papel. Apesar de nossas abundantes bacias hidrográficas, optou-se pela construção de rodovias ironicamente paralelas a rios navegáveis. Além da ausência de modais mais baratos e menos poluentes para a movimentação de cargas e pessoas, parte expressiva da malha rodoviária encontra-se em situação precária.
A deficiência logística prejudica os produtores rurais (inclusive os pequenos e médios) e o agronegócio, ameaça a segurança alimentar e a saúde, barra exportações, limita o crescimento do PIB e causa danos aos setores produtivos e à sociedade.
Portanto, dotar o país de ampla e eficaz rede ferroviária e hidroviária é prioridade absoluta do presidente da República, governadores e parlamentares a serem eleitos nas eleições de outubro próximo.
Com vontade política e a oferta de parcerias público-privadas economicamente viáveis, poderemos ter avanço expressivo nos transportes em apenas uma década.
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