Descrição de chapéu

José Ruy Lozano: A terrível busca por crianças de 'alta performance'

É preciso repensar a crescente pressão por resultados

Alunos posam para foto após vencerem competição organizada pela Bolsa com estudantes do ensino médio, em São Paulo
Alunos posam para foto após vencerem competição organizada pela Bolsa com estudantes do ensino médio, em São Paulo - Leonardo Soares - 30.nov.13/Folhapress

Os recentes casos registrados de suicídio de estudantes do ensino médio —alunos de tradicionais colégios de São Paulo— causaram perplexidade e tristeza. Embora saibamos que o ato de tirar a própria vida é gerado por angústias de múltiplas origens, é preciso pensar de que maneira o ambiente escolar pode ajudar (ou atrapalhar) a prevenção de situações dessa natureza.

A discussão é ampla, mas há um aspecto a ser destacado: a busca incessante de alguns estabelecimentos escolares pela produção de crianças e jovens de "alta performance".

Os currículos escolares vêm mudando nos últimos anos, para o bem e para o mal.

Há algumas iniciativas bem-vindas de ampliação do universo cultural e das habilidades dos alunos, ao lado de outras bastante questionáveis, que submetem os estudantes a expectativas e pressões para as quais, ao que tudo indica, eles não estão preparados.

Muitos colégios, já nos anos iniciais, introduzem a disciplina empreendedorismo (o que quer que isso signifique para crianças de cinco anos) e vendem essa "novidade" como vantagem, a fim de seduzir alguns pais --clientes incautos, preocupados com o futuro dos rebentos.

Mais recentemente, alunos a partir de 14 anos passaram a participar de jogos envolvendo aplicações na Bolsa de Valores. Grupos entram em competição, e ganha a equipe que obtiver a maior rentabilidade nas simulações de investimentos.

O ensino de idiomas também tem se tornado obsessão. Com o discurso de formar cidadãos do mundo ou preparar os jovens para a concorrência no mercado de trabalho, colégios adotam currículos bilíngues, trilíngues e até "quatrilíngues" (essa palavra ainda não está dicionarizada, mas não tardará a se popularizar).

Inglês só não basta; afinal, as crianças precisam ter vantagens comparativas. Não importa que não consigam escrever com proficiência nem sequer em português...

Soma-se a essas práticas ditas inovadoras a incessante procura por desempenhos positivos em avaliações massificadas, como Enem, Prova Brasil e vestibulares.

O malfadado ranking de escolas no exame do ensino médio, a despeito de estar sujeito a manipulações marqueteiras fartamente demonstradas, serve como um instrumento de exclusão de alunos com dificuldades pedagógicas em diversos colégios particulares.

A Prova Brasil, por sua vez, começa a ser utilizada como indicador de produtividade de professores, e já existem propostas de vinculação do orçamento de escolas públicas aos índices obtidos na avaliação.

Tudo somado, mais e mais pressão sobre os alunos, que precisam entregar resultados!

Está na hora de repensar algumas práticas escolares, especialmente aquelas que visam atender a ânsia do mercado, a busca por sucesso a qualquer preço, à custa dos tempos e espaços que são próprios da infância e da juventude.

José Ruy Lozano

Sociólogo, autor de livros didáticos e conselheiro do Core (Comunidade Reinventando a Educação)

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.