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Kleber Cabral: Greve de caminhoneiros e o modelo tributário esgotado

Não se podem mais sacrificar classe média e pobres

A greve dos caminhoneiros foi disparada no contexto de uma campanha das grandes distribuidoras de combustível que denuncia a alta carga tributária incidente sobre os combustíveis no Brasil: "O problema não é o posto. É o imposto".

A participação de entidades empresariais e patronais foi mimetizada com a participação de caminhoneiros autônomos, dando ares de hipossuficiência às reivindicações. Quando se iniciaram as negociações com o governo, a situação ficou mais clara. Alguém já viu caminhoneiro fazer demanda tributária?

A maior tributação sobre os combustíveis é o ICMS, mas, curiosamente, não se viu pressão sobre os governadores. Além dos tributos incidentes sobre o combustível, há interesse direto das empresas transportadoras no projeto de reoneração da folha, do qual querem ficar de fora, e manter benefícios fiscais que fazem falta na arrecadação da Previdência Social e propiciam redução no valor do frete (das empresas), provocando concorrência desleal com o caminhoneiro autônomo.

Há de se reconhecer que a reação empresarial se deu em razão de um esgotamento do modelo tributário adotado no Brasil. A carga tributária sobre combustíveis sempre foi alta, mas de fato houve aumento recente das alíquotas do PIS/Cofins sobre o produto. Vale lembrar que na ponta da cadeia estão os consumidores —contribuintes que de fato arcam com o ônus tributário repassado no preço. É uma realidade que não se dá apenas no setor de combustíveis.

A tributação sobre o consumo no Brasil é uma das mais altas do mundo e atinge mais as pessoas de menor renda, cujos parcos recursos são gastos no consumo de bens e serviços. Estudos do Ipea indicam que a carga tributária sobre pessoas com renda de até dois salários mínimos é de quase 50%, em razão da alta tributação sobre o consumo instituída pelos três entes federativos.

Do outro lado da balança, a tributação sobre a renda no Brasil é baixa quando comparada com a de países da OCDE. Os profissionais que podem se organizar como PJs e o grupo dos muito ricos têm sobre si uma tributação sobre a renda muito suave. Uma das razões gritantes para isso é a isenção total na distribuição de lucros e dividendos auferidos na pessoa jurídica.

Essa jabuticaba alivia, há mais de duas décadas, o peso da carga tributária dos setores mais abastados. A hipertrofia do Simples e do Presumido, e os malabarismos utilizados por empresas submetidas ao Lucro Real fazem com que parte dos lucros não seja tributada nem na pessoa jurídica nem na física.

Como alguém tem que pagar a conta, tem sobrado cada vez mais ao assalariado (via não correção da tabela do IRPF) e aos consumidores em geral (via aumento de tributos indiretos) arcar com a parcela não cobrada dos mais ricos.

Uma das propostas para enfrentar esse sistema tributário extremamente regressivo é o retorno da tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos e sobre as remessas de lucros ao exterior. A medida não depende de reforma tributária e já teria efeitos positivos na recuperação das contas públicas no curto prazo.

Esperamos que a redução da carga tributária sobre o combustível se concretize e chegue efetivamente na ponta, no custo do transporte e no preço dos alimentos, promovendo, por meio da menor tributação sobre o consumo, o efeito virtuoso na economia.

Se for preciso cobrar mais impostos de alguém, que seja daqueles que possuem maior capacidade contributiva e que foram poupados nos últimos 20 anos. Não há espaço para mais sacrifícios da classe média assalariada e dos mais pobres, que suportam carga tributária da Dinamarca com retorno social incomparavelmente inferior.

Kleber Cabral

Auditor fiscal da Receita Federal e presidente do Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal)

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