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O resgate de Plutão

Decisão da União Astronômica Internacional ainda suscita incômodo e celeuma

Imagem de Plutão feita pela New Horizons, em 2015
Imagem de Plutão feita pela New Horizons, em 2015 - Nasa/Associated Press

Mesmo transcorridos quase 12 anos desde a decisão da União Astronômica Internacional (UAI), o rebaixamento de Plutão a planeta-anão ainda suscita incômodo e celeuma. Há bons motivos para tanto.

O astrobiólogo David Grinspoon e o diretor de pesquisa da missão espacial New Horizons voltaram à carga com um artigo publicado no jornal americano The Washington Post, traduzido por esta Folha: "Sim, Plutão é um planeta".

Num ato de desobediência científica e de desafio aos astrônomos que forçaram a mudança, planetólogos continuam a usar a qualificação tradicional.

E, a exemplo do que se dá com nomes consagrados de logradouros que seguem em uso mesmo depois de rebatizados por vereadores, não se tem notícia de que o termo "planeta-anão" tenha caído no gosto do público.

Verdade que não cabe ao senso comum definir conceitos científicos, e sim a especialistas. Ocorre que a medida da UAI em 2006 esteve a anos-luz da unanimidade.

Formara-se um comitê para recomendar uma definição sólida de planeta, e o grupo apresentou uma fórmula simples e compreensível: todos os corpos celestes que descrevam órbita ao redor de uma estrela, mas que não sejam uma estrela, e que tenham massa suficiente para que a sua própria gravidade os torne esféricos.

A proposta terminou derrotada na assembleia da UAI. A reunião já se esvaziara quando o tema entrou em votação, e um grupo interessado em exilar Plutão —que tem apenas 70% do diâmetro da Lua— logrou consagrar o critério segundo o qual um verdadeiro planeta precisa ter sua órbita livre de objetos menores, como asteroides.

Nos confins do Sistema Solar, Plutão convive com vários desses corpos errantes, e foi por isso relegado à categoria de planeta-anão. O mais óbvio problema dessa novidade está numa contradição interna: ela implica afirmar que planetas-anões não são planetas.

Para agravar a má fama do rebaixamento, em julho de 2007 a sonda New Horizons enviou imagens inéditas e surpreendentes, a revelar que o desclassificado ostentava superfície com várias áreas lisas, sem cicatrizes de impactos, indícios de inesperada atividade geológica e montanhas de gelo com até 3.500 metros de altitude.

Esperava-se o retrato de um astro velho, frio e inerte, mas a ciência se deparou com a imagem enigmática de um corpo recente e em plena atividade. Ficou ainda mais difícil não se referir a ele como um planeta, como se fosse uma rocha qualquer vagando pelo cosmos.

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