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Documento da CIA contradiz a noção de que mortes na ditadura se deviam a excessos nos porões

O ex-presidente Ernesto Geisel
O ex-presidente Ernesto Geisel - Folhapress

Parece representar uma reviravolta na historiografia da ditadura militar brasileira a revelação de um documento secreto norte-americano, datado de 1974, no qual William Colby, então chefe da CIA, afirma que o general Ernesto Geisel autorizou na Presidência a "execução sumária" de adversários do regime implantado em 1964.

O texto, com exceção de dois parágrafos tarjados, foi liberado em 2015 pelo governo dos EUA, mas só veio a ser divulgado na quinta-feira (10) por Matias Spektor, pesquisador, professor de relações internacionais na Fundação Getulio Vargas e colunista desta Folha.

O memorando do diretor da agência de espionagem dos EUA menciona um encontro entre Geisel e outros três militares de alta patente, que teria ocorrido em 30 de março de 1974, 15 dias após a posse do novo dirigente de turno, que governou até 1979.

Segundo Colby, estavam presentes os generais João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e futuro presidente, Milton Tavares, comandante do Centro de Informações do Exército (CIE), e Confúcio Danton de Paula Avelino, nome indicado para suceder Tavares.

O assunto em pauta era a continuidade da política de eliminação de agentes da "subversão interna", levada a cabo por parte da cúpula da área de segurança e inteligência durante o período de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974).

Com apoio de Figueiredo, Tavares teria ressaltado a necessidade de prosseguir no combate à "ameaça terrorista" e mencionado o assassinato de 104 pessoas, que na época foram consideradas "subversivos perigosos" pelo CIE.

O documento relata que o presidente destacou a gravidade do assunto, levantou aspectos prejudiciais de tal política e disse que gostaria de refletir antes de dar seu aval.

Poucos dias depois, em 1º de abril, ele teria afirmado ao chefe do SNI que as execuções seriam mantidas, mas com cautela, de modo a assegurar que apenas os oponentes considerados de alta periculosidade fossem atingidos. Ordenou, segundo o texto, que as ações fossem autorizadas pessoalmente pelo general Figueiredo.

Embora assassinatos tenham sido cometidos durante seu governo, como o do metalúrgico Manoel Fiel Filho e o do jornalista Vladimir Herzog, Geisel entrou para a história como um oponente da linha-dura dos "porões da ditadura" e um dos responsáveis pelo processo de distensão do regime militar.

O memorando que agora vem à luz traz elementos novos para esclarecer a dinâmica do governo autoritário naquela fase de transição e nos anos anteriores.

É a primeira evidência documental a contrastar a versão —de resto frágil— de que as mortes de adversários do regime eram fruto de excessos nos subterrâneos das forças de segurança. O relato da agência americana indica que as ordens, na realidade, vinham de cima.

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