Descrição de chapéu

Rodrigo Sabatini: Sabe a cidade que você queria? Pode estar no lixo

Gasto com coleta e destinação de resíduos absorve o já minguado orçamento público

Vista de aterro sanitário em Caieiras, na Grande São Paulo
Vista de aterro sanitário em Caieiras, na Grande São Paulo - Danilo Verpa - 24.set.15/Folhapress

O lixo é um problema global. Todos sabem, todos percebem. Ele está presente em todos os lugares que tenha havido a presença humana. Está em nossa terra, rios, oceano, ar, espaço. Está em nosso comportamento, no nosso sistema econômico e social.

É também um dos maiores problemas de nossas cidades e atinge o território no seu aspecto econômico, social, ambiental, cultural e político. Econômico por ser este um dos principais custos de uma prefeitura, absorvendo o orçamento já minguado, disputando com vantagem, por ser um serviço de urgência, a verba de infraestrutura, da manutenção, da saúde, do social. Onde está aquele posto de saúde que precisamos? No lixo. E o calçamento da rua? No lixo. E a creche? No lixo.

O lixo é um problema social, diretamente ligado à cidadania e à dignidade. À cidadania quando refletimos sobre o consumo e a responsabilidade sobre os resíduos gerados por esse consumo. Define qual a relação desse cidadão-consumidor com o Estado, com a sociedade, com o seu entorno, com o seu próprio papel como parte do problema e da solução. E à dignidade quando possibilitamos a geração de emprego e renda a partir de uma atitude correta e de um desenho de sistema que permita a eficiência do processo.

Ambientalmente, o adequado encaminhamento e tratamento do que chamamos de lixo, evitando-o, transformando tudo em recursos, fechando o ciclo, evitando a poluição e exploração de área. Culturalmente, afeta nos nossos relacionamentos, na nossa espiritualidade. Precisamos urgentemente da mudança da cultura do descarte para a cultura do cuidar. Esta nova cultura, que ganha espaço a cada dia, cria um cenário político comprometido com uma cidadania plena, de responsabilidade e direitos.

Hoje, no Brasil, temos uma das melhores leis do mundo, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a lei 12.305/2010. Define muito bem os resíduos, a hierarquia no tratamento, a responsabilidade dos atores e estabelece metas. Porém, depois de oito anos, ainda existe na sociedade uma enorme desinformação sobre a norma. A responsabilidade ainda é discutida. As metas estão aí, todas vencidas.

Em torno de 40% das prefeituras ainda enviam material para lixões; somente 25% das cidades têm coleta seletiva, e o resultado é um índice pífio menor de 3% de reciclagem no país. Com a crise atual, ainda vemos o número de catadores de materiais recicláveis ultrapassar 1 milhão de pessoas.

Um país Lixo Zero se constrói a partir de cidades, de estabelecimentos, de cidadãos Lixo Zero. Em sua definição, estabelecida pela ZWIA (Zero Waste International Alliance), Lixo Zero é "uma meta ética, econômica, eficiente e visionária para guiar as pessoas a mudar seus modos de vidas e práticas de forma a incentivar os ciclos naturais sustentáveis, onde todos os materiais são projetados para permitir sua recuperação e uso pós-consumo.”

Temos diversas cidades no mundo que adotaram o Lixo Zero como programa, que na verdade é um programa de qualidade total para cidades, onde o principal pilar é a melhoria contínua. Nesse caso, o lixo ou rejeito não tratado adequadamente é um indicador de ineficiência. Dentre essas cidades há algumas com mais de 1 milhão de habitantes, como São Francisco, na Califórnia, que tem como objetivo encaminhar corretamente mais de 90% dos resíduos gerados, evitando aterro ou incinerador, antes de 2020. Hoje, o índice de São Francisco é de 84%. Está no caminho.

Outro exemplo está na vila de Kamikatzu, no Japão.  Na Itália, já são mais de 270 cidades, de todos os tamanhos e vocações: industriais, residenciais, turísticas, históricas, rurais, litorâneas. Todas conseguiram em menos de dez anos, o que equivale a dois mandatos, pularem de índices de 10% para 70%, algumas superiores a 90% de encaminhamento correto dos resíduos. Todas obtiveram redução no custo da gestão de resíduos sólidos, com até 25% de economia para os contribuintes. Todas colaboraram com um sistema de indústria de reciclagem, que se torna cada vez mais importante, e que gera emprego, renda, atrai investidores, incentiva empreendedores e ainda incrementa a arrecadação de impostos.

Durante a semana de meio ambiente, dias 5, 6 e 7 de junho, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, acontecerá o Congresso Internacional Cidades Lixo Zero. Gestores públicos brasileiros poderão conhecer representantes de cidades de todos os continentes —pequenas, grandes, pobres, ricas. Cidades estas que ousaram colocar uma meta para resolver um problema crônico, dentro de estratégias virtuosas. Teremos na capital nacional o encontro do que há de mais avançado em sustentabilidade e responsabilidade. Poderemos ver como um grande problema de nossas cidades pode se tornar um ativo, de forma simples, leve e eficiente.

Rodrigo Sabatini

Engenheiro e presidente do Instituto Lixo Zero Brasil

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.