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Anderson Schreiber: Supremo acerto

Tribunal fez bem em liberar sátira nas eleições

Prédio do STF, com a estátua da Justiça em primeiro plano
Prédio do STF, com a estátua da Justiça em primeiro plano - Alan Marques - 12.ago.13/Folhapress

Na última quinta-feira (21), o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4451, proposta pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, concluindo, por unanimidade, pela inconstitucionalidade dos incisos II e III do artigo 45 da Lei das Eleições.

O inciso II impedia emissoras de rádio e TV de “usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito”.

Essa norma acabava impedindo crítica a candidatos políticos com base no humor, lançando na ilegalidade formas legítimas de expressão como charges, caricaturas ou sátiras, que são tão frequentes em nosso país. A conhecida máxima de que “o brasileiro brinca com tudo” deixava de ser verdadeira nas eleições, quando se instaurava, por força daquela lei, uma espécie de censura sobre humoristas —censura que não apenas desmerecia o importante papel de crítica social que o humor desempenha, mas também feria de morte a liberdade de expressão de uma classe que deveria ser levada mais a sério na sua imprescindível função de não deixar ninguém se levar a sério demais.

Como advertia Millôr Fernandes (1923-2012), “o humorista é o último dos homens, um ser à parte, tipo que não é chamado para congressos salvadores do mundo, não é eleito para academias, não está alistado entre cidadãos úteis da República, semeia ventos e colhe tempestades”. Tempestades, contudo, são bem-vindas.

Em um cenário mundial marcado por certo retorno ao conservadorismo nos costumes e por um crescente moralismo nas redes sociais e na política, a utilidade do humor amplia-se como forma de “espelhar” os excessos da sociedade e denunciar arroubos de autoritarismo (estatal ou moral) que podem representar um retrocesso civilizatório. Em tempos de sérias preocupações, precisa-se de mais humor, e não menos.

O Supremo considerou também inconstitucional, no julgamento desta quinta, o inciso III do artigo 45 da Lei das Eleições, que proibia “veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”. A referida proibição tem origem na crença de que a melhor postura para a imprensa diante do quadro político seria a neutralidade.

Discute-se, todavia, se há realmente neutralidade possível diante de algo tão relevante como as eleições e se a transparência sobre a opção de uma emissora de apoiar um ou outro candidato não seria ainda melhor para os seus espectadores ou ouvintes que uma neutralidade difícil de se alcançar na prática.

Além disso, opções transparentes talvez possam contribuir para um debate público mais qualificado —do qual nosso país precisa com urgência— que uma neutralidade de caráter um tanto metafísico. Fez bem o Supremo, portanto, em permitir opções francas e transparentes, sendo certo que eventuais abusos poderão ser corrigidos pelos instrumentos jurídicos de praxe, como o direito de resposta.

Às vésperas de uma eleição mais complexa e multifacetada que aquelas por que passamos nos últimos anos, a decisão do STF por unanimidade merece ser festejada: trata-se de uma efetiva reafirmação do compromisso da sociedade brasileira com os princípios fundamentais que regem nosso país, contribuindo para a solidificação de um processo eleitoral verdadeiramente democrático, guiado pela mais ampla liberdade de expressão e opinião.

Anderson Schreiber

Professor titular de direito civil da UERJ, autor do livro ‘Direito e Mídia’ (ed. Atlas) e sócio do escritório Schreiber Domingues Cintra Lins e Silva - Advogados

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