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André Luís Callegari e Joaquim Pedro Rodrigues: As armadilhas evitáveis da colaboração premiada

É grave a ideia de rescisão sem desfecho do processo

O advogado André Luís Callegari, que defende o empresário e dono da JBS Joesley Batista, em seu escritório em Brasília.
O advogado André Luís Callegari, que defende o empresário e dono da JBS Joesley Batista, em seu escritório em Brasília. - Pedro Ladeira - 24.abr.18/Folhapress

A legislação que disciplina a colaboração premiada como meio de obtenção de prova não regulamentou o eventual descumprimento das obrigações acordadas no termo entre a acusação e o colaborador.

Esse silêncio legislativo, no entanto, talvez possa ser explicado pelo artigo 4º da lei 12.850, de 2013. Isso porque o perdão judicial —ou a redução da pena, ou sua substituição por restritiva de direito— está a encargo do juiz natural da causa, que poderá aplicar esses benefícios desde que os resultados previstos na lei venham a ser alcançados por meio desse tipo de produção probatória.

Dessa maneira, o processo penal deverá aguardar seu desfecho natural, com o uso dos atos processuais previstos pelo processo penal.

Aliás, ao contrário do que se alardeia, o próprio perdão judicial, ainda que não previsto no acordo, mas expressamente solicitado pelos órgãos de acusação, só procede por meio do escrutínio do magistrado natural da causa.

Ou seja, não cabe ao Ministério Público ou ao delegado de polícia decidir a respeito desse benefício. No máximo, eles podem sugeri-lo ao juiz. Tal compreensão possui respaldo no Supremo Tribunal Federal.

Essa percepção tem como norte o princípio da confiança. O colaborador abre mão de parte considerável do direito ao devido processo legal para receber um prêmio por ter compartilhado sua versão da realidade com os investigadores, proporcionando o desvelamento de várias condutas praticadas por outros agentes.

Essa decisão, voluntária, pode culminar no acordo de não haver o oferecimento de denúncia pelo representante ministerial, o que passará pelo crivo do juízo natural da causa.

Nesse caso, o espírito da lei deriva do reconhecimento do Estado de que não dispõe de meios eficientes para desbaratar as organizações criminosas. Assim, lança mão de técnica processual antiga, porém modernizada, no intuito de atrair pessoas que possam colaborar.

Os órgãos de acusação esperam que membros da organização passem a contribuir para que se alcancem os objetivos da investigação. Para tanto, é natural que o colaborador confie nos termos da colaboração, que somente após o fim do processo receberá a chancela judicial, sendo possível, inclusive, recurso.

O ato de homologação judicial do acordo não confere, por si só, as benesses previstas, mas assegura, ou deveria assegurar, que o colaborador possa confiar que, cumprida a sua parte, o acordo será mantido.

Nesse aspecto, revela-se grave a conduta dos órgãos de acusação, sobretudo do magistrado, que se propõe a rescindir os termos de colaboração, especialmente quando já produzidas provas e pendente o julgamento de mérito da ação penal.

A sinalização, ao colaborador e à sociedade, é a de que não há confiança para colaborar.
O paradoxo é que, pela natureza que possuem, os atores envolvidos —MP, delegado e juiz— representam essa mesma sociedade.

A situação é ainda mais grave se as provas forem utilizadas contra o colaborador. Aliás, a lei é clara ao determinar que as provas autoincriminatórias não poderão ser utilizadas apenas contra ele. 

A cautela em questões como estas —que certamente passarão a frequentar o Judiciário— deve orientar os atores do processo colaborativo, para que esse tipo de inovação processual não se torne uma armadilha para investigadores e investigados.

André Luís Callegari

Advogado de Joesley Batista e pós-doutor em direito pela Universidade Autônoma de Madri

Joaquim Pedro Rodrigues

Advogado criminalista e especialista em direito constitucional

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