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Carolina Diniz, Francisco Crozera e Rafael Custódio: Fim da negligência no enfrentamento e prevenção à tortura em SP

Estado precisa criar mecanismo de monitoramento

Imagem aérea dos 1.600 presos confinados em uma área superlotada do presídio de Araraquara (SP), em rebelião em 2006
Imagem aérea dos 1.600 presos confinados em uma área superlotada do presídio de Araraquara (SP), em rebelião em 2006 - Marlene Bergamo - 7.jul.06/Folhapress

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e China. Só no estado de São Paulo são mais de 240 mil pessoas encarceradas, número pouco menor que a soma de todos os presos do México e que corresponde a 35% da população prisional brasileira. Não é trivial, portanto, a falta de um órgão na administração paulista para monitorar, prevenir e enfrentar a tortura e os maus tratos —que, segundo a ONU, acontecem de maneira “generalizada” nos presídios do país. 

A ideia não é recente: pelo menos desde 2011, organizações de direitos humanos pressionam o governo paulista pela criação de um Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, nos moldes do Mecanismo Nacional criado em 2013 a partir da sanção da lei 12.847.

Esses órgãos são compostos por especialistas independentes e com acesso livre a qualquer local de privação de liberdade e estão previstos no Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, ratificado pelo Brasil em 2007. A partir de inspeções, os membros do mecanismo podem solicitar a instauração de inquéritos, fazer perícias, elaborar relatórios, fazer recomendações, sistematizar dados e sugerir políticas públicas. 

A própria ONU reiterou ao Brasil a necessidade de complementar o mecanismo nacional com mecanismos estaduais. Só assim, sustenta a entidade, seria possível garantir a cobertura de todo o sistema de privação de liberdade. Hoje, já são nove os estados que promulgaram leis específicas para a criação desses órgãos: Alagoas, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Rio de Janeiro e Rondônia. 

Setores do governo paulista, no entanto, se mostraram inacessíveis diante do desafio de acabar com a prática da tortura no Estado. Em 2012, organizações e entidades de direitos humanos se organizaram ao redor do Grupo de Trabalho instituído pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania para aprimorar uma minuta de texto de lei apresentada ao Estado em 2011.

As reuniões foram abandonadas pelo governo em março de 2013 após um parecer da PGE (Procuradoria-Geral do Estado) afirmar que a criação do Mecanismo Nacional deveria preceder a criação do Mecanismo Estadual. Apesar de ignorar exemplos como o do Rio de Janeiro, que desde 2010 possui um órgão próprio, a então Secretária de Justiça, Eloísa Arruda, acolheu o argumento da PGE e inviabilizou todas as tentativas da sociedade civil. 

Sem diálogo com o Executivo estadual, as organizações de direitos humanos elaboraram novo projeto de lei, que será apresentado ao deputado estadual Carlos Bezerra (PSDB), retomando as ideias do PL 1.257/14 apresentado pelo ex-deputado estadual Adriano Diogo (PT), mas que não foi apreciado nos mandados anteriores.

Nesta terça (26), Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, diversas organizações da sociedade civil e defensores públicos locais apresentam em evento público o novo projeto de lei e espera-se que finalmente a Assembleia Legislativa de São Paulo e o atual governador sejam sensíveis para aprovar de uma vez por todas esse importante instrumento civilizatório.

Carolina Diniz

Supervisora de atuação política do Ibcrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)

Francisco Crozera

Assessor jurídico da Pastoral Carcerária de São Paulo

Rafael Custódio

Coordenador do programa de violência institucional da ONG Conectas

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