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Crianças e cercas

É simplesmente indefensável a política americana de separar filhos de pais e confiná-los

O presidente dos EUA, Donald Trump, assina ordem executiva para que famílias de imigrantes ilegais sejam mantidas em um mesmo centro de detenção
O presidente dos EUA, Donald Trump, assina ordem executiva para que famílias de imigrantes ilegais sejam mantidas em um mesmo centro de detenção - Leah Millis/Reuters

Desde que assumiu a Presidência dos EUA, em janeiro de 2017, Donald Trump flerta com uma certa irresponsabilidade institucional. Para lograr seus objetivos políticos mais imediatos, não hesitou em sacrificar posições americanas históricas, algumas construídas ao longo de várias administrações.

Foi assim que o magnata do ramo imobiliário transformado em governante denunciou tratados internacionais, ameaça deflagrar uma guerra comercial com a China e maltrata tradicionais aliados —ao mesmo tempo em que corteja o ditador da Coreia do Norte.

Se tudo isso já parece bastante ruim para quem considera os interesses nacionais de longo prazo, sua estratégia de tolerância zero com a imigração ilegal não raro afronta valores humanitários e civilizatórios —e a visão mesma que o país tem de si como agente moral.

É simplesmente indefensável uma política que separa crianças, ao menos 49 delas brasileiras, de suas famílias e as confina em campos sob a custódia de autoridades, enquanto os pais são enviados para prisões federais. Diante do escândalo doméstico e global, o próprio Trump optou por uma espécie de recuo nesta quarta (20).

Mesmo vozes conservadoras alinhadas à administração haviam condenado a crueldade. O líder evangélico Franklin Graham a qualificou como desgraçada e terrível. Até Melania Trump, a esposa normalmente discreta, reclamou.

Senadores do Partido Republicano também se rebelaram contra a medida —quando menos porque as imagens de meninos e meninas presos atrás de cercas não ajudarão nas eleições deste ano para a Casa.

Tamanha pressão levou o presidente a assinar uma ordem para que as famílias sejam novamente unidas. Trata-se, ao que tudo indica, de não mais que uma resposta improvisada à indignação pública. Logo após o anúncio da decisão havia dúvidas, por exemplo, sobre como e onde manter pais e filhos juntos em detenção.

Ao fim e ao cabo, as crianças ainda são usadas como peões para pressionar o Congresso a mudar a legislação, além de aprovar verbas para a construção do famigerado muro na fronteira com o México.

Deveria ser desnecessário lembrar, a esse respeito, que os EUA são uma nação de imigrantes, forjada a partir de indivíduos e famílias que atravessaram o mundo para escapar de perseguições políticas e agruras econômicas.

Sem minimizar as dificuldades para lidar com o fluxo de estrangeiros ilegais, é triste que agora fechem as portas dessa maneira para os acossados do presente.

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