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Dimas Tadeu Covas: Imagine o mundo sem vacinas

Ignorar imunização é risco à contenção de doenças

Laboratório de preparo da vacina contra dengue no Instituto Butantan
Laboratório de preparo da vacina contra dengue no Instituto Butantan - Diego Padgurschi - 4.nov.16/Folhapress

Relembrar o centenário da gripe espanhola, neste 2018, deve ser um convite à reflexão sobre saúde pública, indo além de estatísticas assustadoras e curiosas fotos amareladas dos livros de história. A gripe espanhola foi uma das ameaças mais mortíferas à humanidade, matando mais de 50 milhões de pessoas (mais do que a Primeira Guerra Mundial, com 20 milhões de baixas), mas nos deixou uma lição ímpar sobre por que a prevenção é uma possibilidade que jamais deve ser desperdiçada.

No Brasil, em um só dia, 1.200 cariocas morreram na época. Em poucas semanas, a gripe já contabilizava 25 mil óbitos somente no eixo Rio-São Paulo. A pandemia mostrou como, antes da era da globalização, um vírus poderia se espalhar rapidamente pelo mundo e abater milhões de pessoas.

O horror causado pela doença não passou em branco e, com o apoio da Sociedade das Nações (que antecedeu a ONU), já nos anos 20, o mundo passou a trabalhar no monitoramento de doenças, campanhas de prevenção e treinamento de profissionais. Passou a investir em pesquisas e a promover a padronização das vacinas. O uso da vacina, que hoje é bandeira da Organização Mundial da Saúde, é uma das formas mais efetivas e menos custosas de se reduzir a mortalidade.

Pensando nisso, o Instituto Butantan realiza, este ano, o programa "100 anos da Gripe Espanhola -- Imagine um Mundo sem Vacinas". Estão sendo realizados simpósios, aulas, exposições e tudo o que possa despertar nas pessoas, inclusive nas crianças, uma percepção real de que, sem o advento das vacinas, o futuro de milhões estaria ameaçado.

A razão de batermos nessa tecla é que a sensação de segurança trazida pela erradicação de doenças, ironicamente, fez com que brotasse um movimento antivacina que se espalha pelo mundo e se baseia em boatos e estudos sem comprovação científica.

O fato é que ignorar a imunização significa, na prática, expor filhos à poliomielite ou se arriscar a ver um pai idoso na enfermaria de um hospital com quadro de pneumonia iniciado a partir de uma gripe.

Omitir-se diante das campanhas de imunização é também contribuir para que vírus esquecidos voltem a circular, expondo aqueles que não estão protegidos. Educar e esclarecer é o melhor caminho para evitar que isso aconteça.

Assim como os medicamentos, vacinas não são perfeitas, não estão livres de contraindicações ou de efeitos colaterais. Vacinas chegam perto, mas não podem garantir 100% de eficácia na prevenção de uma doença. Mas que outras verdades também sejam ditas: vacinas têm rígidos padrões de aprovação antes de serem liberadas para o uso, têm que atender altas exigências de qualidade para que possam ser produzidas e são a forma mais eficaz e insuperável, até hoje, de se prevenir contra várias doenças e suas complicações.

A história do Instituto Butantan se confunde em larga medida com o avanço da ciência, da pesquisa e da produção de soros e vacinas no Brasil. Com muito orgulho e um enorme senso de responsabilidade, o Butantan produz mais da metade das vacinas (tétano, difteria, coqueluche, hepatites A e B, raiva humana, influenza e HPV) e soros no país.

Neste ano, em que completa 117 anos, o instituto pode celebrar a fabricação própria de 55 milhões de doses de vacina contra a gripe, colaborando para a contenção da doença no Brasil neste inverno.

Porque, se é importante lembrar dos cem anos da gripe espanhola, mais importante ainda é garantir que ela permaneça assim: uma memória. Lembrar sempre, para que não se repita nunca.

Dimas Tadeu Covas

Médico, cientista da USP e diretor do Instituto Butantan

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