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Editorial: Delação investigada

Ação contra ex-procurador Marcello Miller alimenta esperanças de políticos sob suspeita

O ex-procurador Marcello Miller durante depoimento na CPI da JBS, em Brasília, em novembro do ano passado
O ex-procurador Marcello Miller durante depoimento na CPI da JBS, em Brasília, em novembro do ano passado - Pedro Ladeira - 29.nov.17/Folhapress

Em março de 2017, no que foi registrado como um dos seus primeiros dias de trabalho para os donos da JBS, o então procurador da República Marcello Miller saiu às 7h de sua casa no Rio, viajou até São Paulo e só encerrou o expediente às 23h30, mais de 16 horas depois.

Procuradores que na segunda (25) acusaram de corrupção o ex-colega calcularam que, em média, ele atuou oito horas diárias para a empresa durante a negociação do acordo de delação premiada que ela assinou com a Procuradoria-Geral da República há um ano.

Conforme a acusação apresentada à Justiça Federal, Miller recebeu R$ 700 mil do escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe por serviços prestados aos delatores nessa época —quando estava de saída do Ministério Público, mas ainda não consumara seu desligamento.

São persuasivos os sinais de que o ex-procurador atuou como uma espécie de agente duplo, orientando os donos da JBS em segredo numa fase crítica das negociações, quando ainda gozava da confiança dos colegas do outro lado da mesa.

Se o Judiciário acatar a denúncia, Miller dividirá o banco dos réus com a advogada Esther Flesch, que o recrutou para trabalhar no caso, o empresário Joesley Batista e um dos executivos que viraram delatores, Francisco de Assis e Silva.

Acusado de omitir informações nos primeiros depoimentos que prestou, Joesley ficou preso por seis meses depois que a Procuradoria descobriu a extensão do seu envolvimento com Miller e resolveu pedir ao Supremo Tribunal Federal a rescisão do acordo de delação

A ação contra o ex-procurador poderá ter implicações para os políticos atingidos —entre os quais o presidente Michel Temer é o mais notório— e o futuro das colaborações premiadas, que deram grande impulso ao combate à corrupção nos últimos anos.

Os acusados pela JBS torcem pela comprovação de ilegalidades nas negociações a cargo do Ministério Público. Acreditam que isso poderia contaminar provas apresentadas contra eles e, assim, ajudá-los a escapar do acerto de contas com a Justiça.

Seria um desfecho indesejável para a sociedade, por alimentar a sensação de impunidade dos poderosos e evitar que suspeitas sobre sua conduta fossem esclarecidas.

Mas as lições do caso Marcello Miller também poderão ser úteis para impor maior rigor às tratativas com criminosos dispostos a colaborar com as autoridades.

Seria uma maneira de reforçar sinais positivos de decisões recentes do STF. A corte tem rejeitado denúncias apresentadas sem provas que corroborem os testemunhos e, na semana passada, ao autorizar a Polícia Federal a negociar acordos desse tipo, deixou claro que a palavra final sobre benefícios oferecidos aos delatores sempre será sua.

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