Descrição de chapéu

Fernando Grostein Andrade: Um mau cheiro no ar

É preciso se unir ante o nazismo disfarçado no Brasil

Fernando Grostein Andrade, na abertura do 23º Festival de Documentário "É Tudo Verdade", no Auditório do Ibirapuera
Fernando Grostein Andrade, na abertura do 23º Festival de Documentário "É Tudo Verdade", no Auditório do Ibirapuera - Marcus Leoni - 11.abr.18/Folhapress

O cinema é uma janela de perspectiva histórica. Basta assistir a "A Lista de Schindler", "Arquitetura da Destruição" ou "A Escolha de Sofia" e olhar para as manifestações neonazistas nos EUA, sobre as quais o presidente Donald Trump disse ter havido erros "de ambos os lados".

O cheiro piora com a detenção de crianças imigrantes, sob o slogan "a América em primeiro lugar". Se o nacionalismo era o último refúgio dos canalhas, atualmente é o primeiro.

Esses filmes também dão perspectiva à encruzilhada brasileira, inflamada pela burrice artificial dos lucrativos algoritmos das redes sociais.

Serão os machucados partidos políticos capazes de deixar de lado a pequenez da disputa de poder para se unir contra o nazismo disfarçado? Hitler tomou o poder pela via democrática e nutrido pelos ingredientes muito semelhantes aos que temos hoje: desesperança, crise econômica, nacionalismo e a fabricação de inimigos da pátria.

A eleição de Trump parecia piada e aconteceu.

Ao longo dos anos FHC e Lula, conseguimos estabilizar a moeda, a economia, ganhar rumo, investimentos, ampliar políticas sociais de erradicação da miséria, acesso à universidade, celebrar a diversidade e até políticas de reparação da herança escravocrata.

O que nunca conseguimos é uma agenda comum, como reformas progressistas no campo econômico, da violência e da educação.

É inacreditável um partido que pretende ser social-democrata e outro que busca atender os interesses dos trabalhadores não terem se unido para reformar os impostos regressivos, que fazem com que os pobres paguem proporcionalmente mais do que os ricos; ou não terem acabado com o caixa 2; ou não terem desarmado a bomba do rombo da Previdência de forma legítima, acabando com privilégios grotescos como a bilionária pensão a filhas de militares (alô, militares, para defender o Brasil, comecem pelas finanças).

Ou mesmo uma nova lei de drogas --a exemplo do Canadá e do Uruguai e dos estados da Califórnia e do Colorado-- que pare de desperdiçar dinheiro e matar inocentes e policiais, enxugando gelo na tentativa de erradicar drogas.

Caminha para a Presidência da República um candidato que já defendeu assassinato de presidentes, o fechamento do Congresso, espancamento de filhos homossexuais; que considera ter uma filha mulher uma "fraquejada", ou ainda, considera descendentes de escravos como preguiçosos. Alguém que já planejou atentados a bomba e que é acusado de fazer apologia do estupro.

É espantoso ver economistas que, na ambição de serem uma espécie de cardeal de Richelieu (1585-1642), um misto de conselheiro do rei com inocente útil, envergonham nosso potente setor financeiro.

Fico imaginando qual pirueta linguística os líderes do PSDB e do PT vão criar para justificar uma omissão, caso esses partidos não sejam capazes de se unir para impedir a instalação do nazismo disfarçado.

Fico imaginando a desculpa do Facebook daqui a uns anos por ter permitido que sua plataforma fosse usada nos EUA e agora no Brasil (de outra forma) para fomentar isso.

Aos líderes: enquanto ainda é tempo, impeçam o cinema de futuramente revelar sua omissão histórica e estejam na história como vocês merecem.

Fernando Grostein Andrade

Cineasta, autor dos filmes "Quebrando o Tabu" e "Coração Vagabundo" e sócio-fundador da produtora Spray Filmes

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.