Descrição de chapéu

Humor sem veto

Renitente espírito censório dos legisladores acabou encontrando uma barreira definitiva no STF

Estátua da Justiça em frente ao prédio do Supremo, em Brasília; corte derrubou norma que proibia sátiras em período eleitoral
Estátua da Justiça em frente ao prédio do Supremo, em Brasília; corte derrubou norma que proibia sátiras em período eleitoral - Sérgio Lima - 30.jul.12/Folhapress

Foi unânime —e, sem dúvida, esperada— a decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar inconstitucionais os dispositivos que proibiam a divulgação, em emissoras de rádio e televisão, de críticas e sátiras a candidatos e partidos em período de eleições.

Pelo artigo 45 da Lei 9.504, de 1997, as empresas de telecomunicação estavam impedidas de “difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”.

Além disso, vedava-se o recurso a “trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem” algum postulante.

Foi este último aspecto do diploma o que, com bons motivos, suscitou mais críticas por parte dos ministros do Supremo, e também da opinião pública.

Vetar o humor no debate político? “Só pode ser piada”, dizia o então ministro Ayres Britto em 2010, quando se iniciava o julgamento da questão na corte.

“Quem não quer ser criticado ou satirizado que fique em casa e não seja candidato”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes na quinta-feira (21), quando finalmente se encerrou o exame do tema.

Oito anos atrás, tivera apenas um caráter liminar a decisão que suspendia esses dois pontos da lei eleitoral. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) contestava-os por entender que agrediam o princípio constitucional da liberdade de expressão.

Não há como deixar de considerar censura, claro, tal gênero de restrições legais. Cabe lembrar que, se houve demora em julgar definitivamente o caso, o fato é que várias eleições se fizeram desde 2010, sem que tenha surgido ocasião para invocar as proibições previstas.

Bem ou mal, o excesso de zelo e o renitente espírito censório dos legisladores acabou encontrando uma barreira definitiva no STF.

Contudo, uma enfática rejeição à censura prévia nem sempre se manifesta com tanta facilidade.

O artigo 57 da Lei Eleitoral, por exemplo, permite que, “sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável”, a Justiça determine “a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais”.

No mundo relativamente mais restrito do rádio e da TV, algumas autoridades como o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, defendem um regramento mínimo, no sentido de evitar abusos de poder político e econômico em favor de determinado candidato.

Na internet, em que o universo dos eventuais emissores, opinadores e propagandistas é ilimitado, torna-se certamente impraticável e inaceitável tal tipo de restrições.

As punições devidas aos casos de calúnia, injúria e difamação representam limites claros e democráticos aos abusos nesse campo. O mais é censura —e, apesar da decisão do STF, esse fantasma continua a rondar a legislação brasileira.

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