Descrição de chapéu

Miguel de Almeida: O marqueteiro baiano e a jabuticaba

Método de campanha típico do Brasil é legado ruim

O escritor e documentarista Miguel de Almeida, em foto de 2013
O escritor e documentarista Miguel de Almeida, em foto de 2013 - Zanone Fraissat - 4.set.13/Folhapress

Assim como a jabuticaba e o Djavan, o marqueteiro baiano é coisa nossa. Evolução tupiniquim do prestidigitador, alcançou esplendor nas três décadas da redemocratização —e deixou seus maus perfumes em seis eleições presidenciais, outras tantas estaduais e municipais. É um fenômeno: por onde passa, nada floresce; espalha-se a cizânia como legado.

A boa notícia é que a Lava Jato desnudou seus truques, embustes, logros —e seu preço de face no mercado vale menos do que um Aécio; sendo que um Aécio, na cotação Temer de hoje, não remunera um selfie social com Luciano Huck.

A má notícia é que o modus operandi do marqueteiro baiano escapou a seus criadores para se tornar uma escola, e assim viceja até nas disciplinas acadêmicas, de Brasília a São Paulo. Encontrou eco no bom caráter brasileiro do jeitinho.

Não se sabe ao certo se o Goebbels do dendê nasceu antes ou depois dos oportunistas de sempre. Como em qualquer matéria criminal, há divergências. Datação de carbono 14 indica a eleição de Paulo Maluf à prefeitura paulistana, em 1992, como marco histórico. À época, o conhecido político já era um mito ilustre no imaginário de Eduardo Cunha e Antonio Palocci.

Sua capacidade administrativa se sobrepunha às armadas do regime militar; não à toa, sua presença daninha ajudara a afogar o ditador João Figueiredo. Apodreceu o que viera ao mundo para ser esquecido.

Sob a cartilha do marqueteiro baiano, a metamorfose malufista: mudança de óculos, nos cortes dos ternos, na entonação vocal e ajuste nas mentiras eleitorais. As pesquisas indicam o caminho das platitudes conservadoras e reacionárias. Pitadas sociais e velhas reivindicações da população engrossam o caldo, entortam opiniões.

Aos olhos do marqueteiro baiano, importa a vitória. As pesquisas de opinião se tornam bússola, baliza e porto seguro. Basta o candidato estar disposto a ser um invertebrado. Muitos deles, diante do sucesso de Maluf, abriram mão de suas almas (se é que a tiveram) na busca do cálice sagrado.

A derrota acachapante de Maluf para Covas, em 1998, revelou que o desgaste de material não superava a falta de ética dos métodos marqueteiros. Lembre-se que Covas jamais aceitou sugestão de conselheiros para mudar seus ternos santistas, seus óculos classe média sem grife e suas convicções básicas. Ganhou sendo Covas, nunca como uma marionete. Foi o último.

A esquerda oriunda da luta armada e o sindicalismo de re$ultados, unidos no PT, se jogaram no prato de dendê baiano. Era mamão com mel. De um lado, um falso esquerdista, a velha raposa em trajes de metamorfose ambulante; de outro, os métodos sem ética que haviam eleito um conhecido larápio sob um discurso modernizante. Nada a estranhar: no Brasil, a direita cria e a esquerda procria.

A vitória de Lula consagra os métodos. Basta dizer o que a população quer ouvir. Minta, que os votos aparecem. Depois, em 2010, José Serra, na mão de outra cepa baiana, deixaria dúbia sua posição sobre o aborto diante de Dilma e, noutro pleito, atacaria o kit gay de Fernando Haddad. Um homem de esquerda vergado sob as pesquisas e o método baiano, ainda a produzir outros desastres: Marta Suplicy chega a colocar sob suspeição a masculinidade de Gilberto Kassab. Por que isso?

O desastre ocorreria com Dilma Rousseff. Como bom pau mandado, a mentira serviu-lhe como arma. Ok, a causa tudo alivia. Ao final, ela sai da vida para ser meme.

As ideias ruins ficam. Os métodos do marqueteiro baiano (hoje escola latino-americana), capazes de unir esquerda e direita, levaram candidatos a perder ou ganhar eleições de quatro. Nunca de pé. A culpa não é dos procedimentos. São os eleitores que validam os meios como fins. Aqui se faz, aqui se paga (com Temer ou Maduro).

Miguel de Almeida

Escritor e diretor dos documentários "Não Estávamos Ali para Fazer Amigos" e "Tunga, o Esquecimento das Paixões"

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