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Milton Fornazari Junior: Desobediência internacional

Empresas resistem a colaborar com investigações

Sede do STJ, em Brasília, que aplicou multa ao Facebook por descumprir ordem judicial
Sede do STJ, em Brasília, que aplicou multa ao Facebook por descumprir ordem judicial - Alan Marques - 21.dez.04/Folhapress

Algumas filiais brasileiras de multinacionais de tecnologia têm se negado, injustificadamente, a cumprir ordens judiciais no Brasil relativas à implementação de técnicas especiais de investigação, como o monitoramento de emails utilizados por pessoas investigadas pela prática de graves crimes, o que acaba por prolongar a atividade criminosa e facilitar a impunidade de criminosos.

Alegam que as informações dos emails estariam armazenadas em servidores localizados em outro país, motivo pelo qual não teriam condições operacionais de acessá-las; afirmam, ainda, que os juízes brasileiros não teriam competência para ordenar essas medidas, as quais, segundo elas, deveriam ser pleiteadas em cada caso pelas autoridades brasileiras a um juiz estrangeiro, por meio do auxílio direto (modalidade de cooperação jurídica internacional, ainda de trâmite razoavelmente lento).

Essa argumentação, movida por desproporcional interesse econômico e, ao que parece, estendida a diversos outros países, configura uma falsa controvérsia de cooperação jurídica internacional. Na realidade, as informações requisitadas legalmente pelas autoridades brasileiras podem até estar fisicamente situadas nos servidores dessas empresas ao redor do mundo, mas também estão inegavelmente disponibilizadas por elas virtualmente, em cada ponto da internet onde são utilizadas.

Assim, na hipótese de um crime cometido com o auxílio da internet no Brasil, o email utilizado no território nacional estará plenamente acessível no Brasil, motivo pelo qual não há que se falar na necessidade da cooperação jurídica para a produção das provas do crime.

Não só isso, deve-se pontuar que boa parte das empresas multinacionais de tecnologia, por suas filiais brasileiras, tem cumprido regulamente as ordens judiciais de conteúdo similar, não sendo razoável acreditar que somente algumas delas não tenham condições operacionais de fornecer os dados requisitados em função da alegada localização dos seus servidores.

Além disso, é inegável que uma empresa que se disponha a fornecer serviços para brasileiros, no Brasil, obtendo lucro com isso, tem o dever de se submeter à soberania do Brasil e pautar sua atuação em conformidade com as leis que disciplinam a ordem econômica, as relações de consumo, a ordem tributária e demais normas locais --sendo, por óbvio, submetida ao controle do Poder Judiciário brasileiro.

Em razão desses fatos, o Superior Tribunal de Justiça condenou uma dessas empresas, recentemente, ao pagamento de elevadas multas por descumprimento de ordem judicial, restabelecendo, assim, a jurisdição brasileira para a instrução e o processamento de crimes cometidos no território nacional.

Espera-se que, doravante, essas empresas reconsiderem suas práticas, não só no Brasil como em todo o mundo, retomando o devido compromisso de cooperar com as autoridades legalmente estabelecidas, nos termos da lei.

Milton Fornazari Junior

Delegado de Polícia Federal em São Paulo, doutor em direito processual penal (PUC-SP) e autor do livro "Cooperação Jurídica Internacional: Auxílio Direto Penal".

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