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Paulo Nussenzveig: Ciência na pauta das eleições

Candidatos têm de incluir tema em seus programas

Manifestantes com cartazes durante a Marcha pela Ciência, em outubro de 2017
Manifestantes com cartazes durante a Marcha pela Ciência, em outubro de 2017 - Alberto Rocha - 8.out.17/Folhapress

Que país deixar para nossos filhos e netos? A pergunta é de inegável importância neste ano de eleições estaduais e federais. Respostas adequadas requerem a inclusão da ciência no debate público.

A bandeira do apoio à ciência não tem vinculação partidária e não pode ser confundida com reivindicações corporativistas: cientistas não foram às ruas em 2017, de forma inédita, para clamar por melhores salários. Ao contrário, reclamam que recebem salários, mas que não têm as condições de executar suas funções de explorar e fazer avançar a fronteira do conhecimento (ou fazer recuar a fronteira de nossa ignorância). 

O orçamento para apoio à pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações em 2018 corresponde a menos da metade do orçamento de 2010 (em valores corrigidos), mesmo após grande pressão da comunidade científica. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) esteve ameaçada de não receber, em 2017, a totalidade dos recursos que lhe são constitucionalmente destinados.

A sociedade, consciente da importância do investimento em ciência e tecnologia, cobra dos partidos políticos a inserção desse tema, de maneira prioritária, em seus programas de governo.

O desgaste da imagem dos políticos brasileiros, pela sucessão de escândalos de corrupção e pela falta de conexão com os anseios da população, resultou no sucesso, nas últimas eleições municipais, de candidatos que se declararam "gestores" e "não pertencentes à classe política". 

É comum que os candidatos às eleições aqui concentrem-se apenas nos problemas de momento, como gestores de crises. O país precisa de políticos, não de meros gestores. Precisamos de lideranças que se credenciem perante a sociedade por apresentarem visões de futuro e os caminhos que devemos percorrer para alcançar essas visões.

Se almejamos um futuro de prosperidade econômica e social sustentáveis, com respeito ao meio ambiente, a lição do século 21 é que precisamos investir em geração e uso de conhecimento. Para isso, é essencial haver ciência, tecnologia e inovação de ponta.

Há quem acredite que esse modelo bem-sucedido de países da Europa e da América do Norte não se aplica aqui. Ledo engano. Os pilares da economia brasileira —como, por exemplo, o agronegócio— estão firmemente assentados sobre conhecimento científico e tecnológico desenvolvido no Brasil, por brasileiros. A ciência está presente em quase todas as atividades do nosso cotidiano, como alimentação, saúde, vestuário, habitação, transporte etc.

Em novembro de 2017, o governo britânico apresentou seu programa de política industrial para os próximos dez anos. A palavra ciência aparece mais de 130 vezes, num documento de 250 páginas, em que um dos eixos centrais é incrementar o dispêndio com pesquisa e desenvolvimento dos atuais 1,7% para 2,4% do PIB até 2027.

Em países como EUA e Alemanha, esse dispêndio está próximo de 3% (e aumentando), enquanto no Brasil patinamos em torno de 1%. Seguramente, parte do debate político em 2018 será voltada ao necessário equilíbrio fiscal. Isso requer redução de despesas mas também aumento de receitas, como consequência de maior riqueza produzida. O caminho passa inexoravelmente pela geração de conhecimento, por meio de maiores investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Ao teclarmos os dígitos nas urnas eletrônicas em outubro, essa é a rota que desejamos programar.

Paulo A. Nussenzveig

Professor do Instituto de Física da USP

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