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A nova regulamentação de coparticipação e franquia dos planos de saúde é correta? NÃO

Escárnio

Debate sobre saúde suplementar promovido pela Folha, em novembro de 2017
Debate sobre saúde suplementar promovido pela Folha, em novembro de 2017 - Keiny Andrade - 23.nov.17/Folhapress
Marilena Lazzarini

Em cumplicidade com as empresas de planos de saúde, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), ao autorizar elevados valores de franquia e coparticipação, respondeu com escárnio às imensas dificuldades que cidadãos e empregadores enfrentam hoje para pagar altas mensalidades, abusivamente reajustadas.

Em tempos de desespero de quem perdeu o plano junto com o emprego ou para quem as mensalidades cheias não cabem mais no bolso, a compra de planos aparentemente mais baratos, mas que escondem pagamentos extras exorbitantes, é uma violência contra o lado mais fraco. Quem ficar doente vai pagar mais justamente no momento de maior vulnerabilidade e com grande risco de endividamento.

A ANS sacou esse produto do pacote dos chamados planos "acessíveis", idealizados pelo ex-ministro da Saúde Ricardo Barros em conjunto com empresários da saúde suplementar. Assim, em ano eleitoral e em plena recessão, as operadoras de planos de saúde, assíduas financiadoras de candidatos, emplacaram a venda de planos meia-pataca para turbinar o fluxo de caixa de um setor que faturou quase R$ 180 bilhões em 2017.

Corretores vão acenar com o desconto supostamente vantajoso, mas não será nada fácil para as pessoas compreenderem o que de fato estão comprando. A senhora prefere franquia "acumulada" ou "limitada por acesso"? Qual a diferença?

Na primeira, se a senhora gastar R$ 1.500 com procedimentos médicos, durante o período de 12 meses, e o valor da franquia contratada for de R$ 1.000, o plano só vai arcar com R$ 500. Na segunda, o valor adicional a ser pago será estipulado a cada exame, procedimento ou internação, e não por ano.

E para o senhor, interessa um plano de coparticipação? Saiba que o contrato pode prever o pagamento de até 40% do valor do procedimento. Além do preço da mensalidade (por exemplo, R$ 500) se um exame custar R$ 4 mil, o senhor terá que pagar ao plano R$ 1.600, parcelados em quatro vezes. Mas, se o contrato for coletivo, pode ser cobrado até 60% do valor de cada procedimento.

Além de subestimar o emaranhado de regras confusas que criou, a ANS faz divulgar sua "boa ação" de tornar isenta de cobrança adicional uma lista de 250 itens. A isenção, nesses casos, não é do tratamento da doença diagnosticada nem de suas possíveis complicações e intercorrências, mas de exames e procedimentos pontuais, que deverão ser obrigatoriamente realizados em locais determinados pelas operadoras.

Regras assim, tão complexas, são prato cheio para a propaganda enganosa e a compra não esclarecida.
A ANS inverteu o sentido de contratar um plano de saúde, que é o de assegurar tranquilidade financeira na imprevisível hora do adoecimento. O consumidor doente será surpreendido por cobranças extras que poderão mais que dobrar o valor que ele já paga por mês. O adiamento de tratamentos com piora do estado de saúde, a corrida ao Judiciário, a busca pelo atendimento no SUS e o endividamentos são alguns dos desfechos esperados.

A esse engodo das novas regras de franquia e coparticipação somam-se o reajuste abusivo autorizado pela ANS aos planos de saúde e a ocupação da agência por indicações políticas de diretores mais comprometidos com os interesses das empresas —iniciativas que o Idec tem combatido sem trégua. Resta ainda perguntar: para quê e a quem serve a ANS?

Marilena Lazzarini

Presidente do Conselho Diretor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)

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