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A propaganda eleitoral paga na internet deve ser permitida? NÃO

Os paradoxos do financiamento eleitoral

Giuseppe Janino, secretário de Tecnologia do TSE e criador da urna eletrônica, em entrevista à Folha
Giuseppe Janino, secretário de Tecnologia do TSE e criador da urna eletrônica, em entrevista à Folha - Pedro Ladeira - 20.mar.18/Folhapress
Walber de Moura Agra

É de sabença geral que, depois que o STF decidiu a ADI 4650, estabeleceu-se a proibição para que as pessoas jurídicas possam realizar doações para as campanhas eleitorais. Tal decisão amparou-se na suposição, mesmo que distante da realidade, de que essa proibição tornaria o processo eleitoral mais íntegro, diminuiria as várias modalidades de abuso de poder, fazendo com que a paridade de armas fosse um preceito altissonante. 

Foge dos objetivos dessas parcas linhas vislumbrar os motivos conscientes ou inconscientes dessa medida; todavia, deve-se sublinhar que foi uma decisão tomada sem as devidas discussões com a sociedade, sem vislumbrar o horizonte prospectivo, baseando-se em um voluntarismo judicial que atua como uma pulsão na procura de caminhos para a vazão contínua das repetições.

Por outro lado, o Poder Legislativo, sem nenhum compromisso com o aperfeiçoamento das práticas eleitorais, permitiu o autofinanciamento, até o limite possível ao cargo disputado; normatizou o crowdfunding, como se houvesse uma tradição desse tipo de doação e sobra financeira para fazê-lo; aumentou o valor do Fundo Partidário e criou o Fundo Especial de Financiamento Eleitoral, com valores razoáveis que contribuirão para a perpetuação do status quo político; e permitiu o impulsionamento nas redes sociais.

Parafraseando Mcluhan, a internet com suas redes sociais possibilitou que a aldeia global se instalasse em cada um dos computadores interligados à rede mundial. A ágora grega se deslocou para o mundo virtual, em que cada cidadão torna-se partícipe dos mais variados tipos de discussões, metanarrativas ou não, verdades líquidas ou sólidas, criando um mundo imaginário em que as fantasias individuais se soltam. Suas consequências ainda não foram aquilatadas em sua extensão; todavia, depois da participação da Cambridge Analytica nas últimas eleições dos EUA, pode-se ter uma ideia da dimensão de sua influência.

A permissão do impulsionamento de conteúdo pago na internet terá uma repercussão extraordinária, fazendo com que um candidato desconhecido se torne um pop star por meio do acesso a dados sensíveis dos eleitores, direcionando a propaganda de acordo com as especificidades dos cidadãos.

Outrossim, os seus efeitos serão muito mais eficazes, manipulando o pathos da coletividade para a realização de interesses políticos. Isso sem contar que esse numerário pode ser direcionado, de forma direta ou indireta, para a desconstrução de adversários políticos, multiplicando exponencialmente o número de fake news.

O paradoxo da questão é que, enquanto a proibição do financiamento de pessoas jurídicas tentou, com certeza sem grande sucesso, diminuir os acintes nas disputas políticas, o processo eleitoral é atualizado por balizas normativas que privilegiam o poder econômico.

O Poder Judiciário e os legisladores não primaram pela integridade sistêmica do ordenamento eleitoral, conduzindo seus comportamentos em atos reflexos direcionados pelo voluntarismo e pelo narcisismo de preservação de seus interesses.

Configura-se na hora apropriada para que os Poderes instituídos construam um supererego que possa diminuir essas sandices normativas e judiciais. Mas, diante da ausência de substratos morais ou culturais que possam facilitar essa missão, talvez seja a oportunidade para que a sociedade civil exerça esse papel, impedindo que os impulsos oriundos de recalques possam dessubjetivar nossas necessidades.

Walber de Moura Agra

Advogado, professor da Faculdade de Direito do Recife e procurador do Estado de Pernambuco

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