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Agruras cambiais

Desvalorização cambial, por si só, não leva ao crescimento da renda nacional

Alta do dólar tem afetado proporcionalmente mais o atacado do que os índices ao consumidor
Alta do dólar tem afetado proporcionalmente mais o atacado do que os índices ao consumidor - Jose Luis Gonzale/Reuters

Começam a surgir os primeiros impactos da forte alta das cotações do dólar nos últimos meses. Longe de abrir um caminho rápido para o crescimento econômico, como acredita uma ala dos economistas nacionais, a desvalorização cambial tão somente beneficia alguns e prejudica outros.

Na indústria, essa dicotomia aparece mais claramente. Setores que utilizam parcela relevante de insumos importados em seus produtos tendem a ter perda de rentabilidade, caso não consigam repassar o aumento de custos ao consumidor. 

É o que se vê no momento. Com a debilidade da demanda, qualquer tentativa de elevar preços pode derrubar as vendas e resultar em perdas ainda maiores. Assim acontece, por exemplo, em segmentos como automotivo, químico e de alimentos, altamente sensíveis às variações da moeda americana. 

Estudo da equipe econômica do Bradesco, citado em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, sugere que os repasses têm sido insuficientes para recompor os lucros das empresas. Até agora, a alta do dólar, próxima a 18% desde o início do ano, tem afetado proporcionalmente mais o atacado do que os índices ao consumidor.

Também enfrentam mais dificuldades os ramos industriais que precisam comprar maquinário importado. É bem documentada a relação negativa entre a variação cambial e os investimentos, pelo menos a curto prazo —na medida em que o país não dispõe de capacidade suficiente em áreas de maior sofisticação tecnológica. 

Há, por outro lado, setores que se beneficiam. Exportadores com custos majoritariamente denominados em reais, como frigoríficos, ou com produtos cotados diretamente em moeda forte, como mineração, papel e celulose, tendem a conseguir aumento dos lucros com maior facilidade. 

Cumpre considerar ainda os impactos financeiros. Dado que o conjunto das empresas tem mais dívidas do que créditos em moeda estrangeira —das subsidiárias de multinacionais às brasileiras que se aproveitaram dos baixos juros internacionais nos últimos anos—, a desvalorização do real resulta em perdas patrimoniais. 

Esse problema já foi muito maior, mas ainda se mostra presente. Por razões históricas, a alta do dólar no Brasil tende a ser vista como sintoma de doença econômica. 

A questão a destacar, portanto, é que a desvalorização cambial, por si só, não leva ao crescimento da renda nacional. Mais essenciais —e difíceis— são as iniciativas capazes de reduzir custos internos e elevar a produtividade.

Leia-se, em particular, maior abertura e integração comercial, para absorver tecnologia, ampliar escala e acirrar a competição.

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