De volta de uma estada na Finlândia, um amigo relata espantado o que lhe contou uma jornalista de lá: o ensino pago é proibido no país nórdico —onde, como se sabe, os níveis de renda e qualidade de vida são elevadíssimos.

Enquanto isso, fico sabendo que nem algumas das mais exclusivas escolas privadas brasileiras dão conta do recado, conforme mostrou esta Folha outro dia (29/6): "Uma a cada três escolas particulares do país com estudantes de alto nível socioeconômico não atingiu a nota que seria esperada no Enem do ano passado para esses colégios".

Não se cogita que os candidatos à eleição de outubro tirem da cartola a solução mágica que transformará o Brasil na Finlândia (spoiler: ela não existe).

É urgente, porém, o debate consequente daquele que é o aspecto mais problemático da educação brasileira e o principal obstáculo à promoção, tão lenta e insatisfatória, da igualdade de oportunidades no país: a absurda naturalização do fato de que boa escola tem quem pode pagar.

A questão, ainda que mais grave aqui, é extremamente sensível também no mundo desenvolvido.
No Reino Unido, por exemplo, já há alguns anos a organização Sutton Trust monitora a proporção de ex-alunos de escolas particulares —e, em especial, das duas universidades de elite no país, Oxford e Cambridge— entre os profissionais mais bem-sucedidos de diversas áreas.

Em 2016, revelou que frequentaram instituições educacionais privadas (as quais atendem, lá, apenas 7% do total de estudantes) quase dois terços dos médicos nos melhores empregos; mais da metade dos jornalistas mais influentes; pouco menos da metade dos funcionários públicos mais graduados; e cerca de três quartos dos ocupantes de altos postos no Judiciário, entre outros privilegiados.

Aqui, apesar da crise econômica, números do Ministério da Educação mostram que, na educação básica, etapa importantíssima na definição de futuro, a proporção de alunos em escolas particulares em 2016 chegou a 18,4%, contra os 13,3% de 2008.

Não se pode negar que também houve avanço em algumas das pautas mais sensíveis para a tão buscada maior equanimidade de partida no sistema educacional.

Mas nada que priorizasse para valer a reversão da tendência de fuga de matrículas da escola pública verificada ainda no auge dos governos petistas, justamente quando mais gente chegava aos estratos médios de renda.

Uma decantada "nova classe média" que, ao melhorar de vida, viu na escola particular mais um bem de consumo —só que, no fim das contas, fora de alcance, a não ser em versão piorada.

Raridade, o Partido dos Trabalhadores teve dois educadores —e, diga-se, quadros acima da média— à frente do MEC, um dos quais, Renato Janine Ribeiro, acaba de lançar em livro suas reflexões acerca da experiência, e sob título bem apropriado: "A Pátria Educadora em Colapso" (Ed. Três Estrelas, do Grupo Folha).

Em entrevista de divulgação da obra, com a honestidade intelectual que o caracteriza, Janine Ribeiro falou do breve período como ministro, já no segundo mandato interrompido de Dilma Rousseff: "A educação mal tinha lugar na agenda da presidente. Ela estava preocupada em salvar a economia, com razão".

Diz muito sobre como, nesse particular, o PT falhou —do que se espera que Fernando Haddad, o outro educador e titular da Educação sob Lula e Dilma, preste contas, caso seu nome seja confirmado como candidato a presidente.

Pois, enquanto esteve no poder, o partido não priorizou a recuperação do antigo prestígio da escola pública a ponto de atrair de volta a ela a classe média.

Preferiu apenas comemorar a incorporação de parcelas da população a esse estrato de renda que, perpetuando a tal naturalização perversa, faz qualquer sacrifício para não deixar de honrar o carnê mensal pago pela pretensa ascensão social dos filhos.

O resultado é que a experiência cotidiana dos brasileiros continua a atestar o uso, pelas classes abastadas, daquilo que cada vez mais os países desenvolvidos se perguntam se não seria uma escada imoral para subir na vida.

Christian Schwartz

Doutor em história social (USP/Cambridge), jornalista e tradutor

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