Testemunha-se, na América Latina, um quadro pouco favorável para alguns líderes populares que deixaram o poder. Exemplo mais recente desse fenômeno, o caso do ex-presidente do Equador Rafael Correa (2007-2017) chama a atenção pela rapidez com que se deu o processo de declínio.
Na terça-feira (3), a Justiça local determinou sua prisão preventiva e solicitou à Interpol que o capturasse na Bélgica, onde vive com a esposa, natural daquele país.
A decisão ocorre após Correa ter descumprido uma ordem cautelar de se apresentar a cada 15 dias em um tribunal de Quito. Ele responde à acusação de envolvimento numa tentativa de sequestro do ex-deputado opositor Fernando Balda, em 2012, na Colômbia.
Há pouco mais de um ano, o ex-mandatário transmitia o cargo com boas taxas de popularidade e a expectativa de retornar em quatro anos. Em seu cálculo político, o sucessor, Lenín Moreno (vice em seis dos dez anos de governo), apenas lhe guardaria o lugar. A realidade se mostrou, porém, bem distinta.
É forçoso reconhecer que a década sob Correa, impulsionada em boa parte pelas altas cotações do petróleo, registrou diminuição dos índices de pobreza e razoável melhoria em saúde e educação.
Por outro lado, o governante revelou sua veia autoritária. Cerceou a imprensa livre, acossou adversários e polarizou o país com a tentativa de se perpetuar, tendo como ápice do processo a aprovação de uma emenda pela reeleição ilimitada, que valeria a partir de 2021.
Eis que Lenín Moreno passou a ter mais diálogo com a mídia e a oposição. E, para sacramentar o rompimento com o antigo padrinho, convocou um plebiscito no qual os equatorianos limitaram o exercício da Presidência a dois mandatos. Reprimiu-se, dessa maneira, a tentação caudilhesca.
O processo pelo qual Correa responde, cumpre dizer, ainda se encontra em fase de investigação e coleta de provas sobre seu suposto papel na ação contra Balda.
Porém seus aliados bolivarianos, como Evo Morales e Nicolás Maduro, que tanto prezam o princípio da soberania quando questionados por líderes estrangeiros, já criticaram o governo de Moreno. Assim como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se comparou ao equatoriano como “vítima da judicialização da política”.
Correa faria bem, decerto, em respeitar a independência do Poder Judiciário —algo que dizia defender em sua gestão—, sem recorrer à surrada tese da perseguição.
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