Descrição de chapéu
Roberto Livianu

O jabuti da vez

Pretende-se legalizar nomeação de apadrinhados

O promotor Roberto Livianu, durante debate de lançamento do livro "Corrupção", em São Paulo
O promotor Roberto Livianu, durante debate de lançamento do livro "Corrupção", em São Paulo - Eduardo Anizelli - 19.mar.18/Folhapress

Em outubro, a pesquisa Latinobarômetro, a mais importante da América Latina sob os prismas social, político e econômico, revelou que, na ótica dos brasileiros, 97% dos políticos exercem o poder em autobenefício.

Na sequência, a Transparência Internacional divulgou a abrupta queda de 17 posições do Brasil no ranking da percepção da corrupção, indo para o 96º posto de 180 países, apesar de ser a décima economia do mundo.

Enquanto isto, no Congresso Nacional, tem-se vivido uma permanente dissintonia ao se comparar o resultado do que se vota em relação à vontade da sociedade, num gravíssimo processo de esgarçamento da democracia representativa, pois as leis, em vez de virem para servir ao bem comum, vêm para blindar parlamentares e acomodar interesses não republicanos.

Somos abundantes em exemplos de oportunismo legislativo. Foi assim com o projeto de nova lei de abuso de autoridade que não pune políticos, como se eles não fossem autoridades. Assim foram trucidadas as dez medidas contra a corrupção durante a madrugada. O fundão eleitoral de R$ 1,7 bilhão, repudiado pela sociedade, foi aprovado, e apenas 12 dos 35 partidos explicitam os critérios de distribuição dos recursos (que são públicos).

Mas talvez um dos melhores exemplos seja aquele da lei que permitiu aos sonegadores de impostos arriscarem à vontade e, se forem pegos, basta pagarem o que devem e se extingue a punibilidade criminal. Mas não é só. Essa operação de legitimação legislativa da sonegação fiscal foi viabilizada pela Lei 9.249, aprovada em 26 de dezembro de 1995. 

Pois saibam que, enquanto o Brasil e todo o resto do planeta estavam acompanhando a Copa da Rússia, uma tal comissão especial da Câmara, aprovou uma mudança na Lei das Estatais (13.303/16).

Vale lembrar que essa lei —a exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal, conquista da sociedade— é instrumento legal voltado para evitar conflitos de interesses na escolha dos gestores de estatais, buscando garantir eficiência, independência e imunização da gestão das empresas públicas de nomeações relacionadas ao compadrio político.

Inseriu-se um verdadeiro jabuti no substitutivo do PL 6621/2017 por meio de emendas com a pretensão de afrouxar os mecanismos de governança previstos na Lei 13.303/16, pretendendo autorizar-se legalmente nomeações de apadrinhados.

A proposta nos leva de volta à administração pública do obscurantismo, do clientelismo, do compadrio, da afronta à moralidade, impessoalidade e eficiência, enaltecidas por nossa Carta Magna que completará 30 anos em outubro. 

Não se pretendeu, com essa proposição, fazer lei para o bem do povo. O que se pretendeu foi a afronta à ética e à essência republicana, contrariando o interesse da sociedade e do bem comum, salientando-se a total falta de efetivo debate sobre o tema no Parlamento, tendo seguido a matéria diretamente para o Senado, em total desrespeito ao processo democrático.

A Câmara dos Deputados precisa imediatamente se reposicionar, preservando a Lei das Estatais para mostrar ao Fórum Econômico Mundial que o Brasil quer deixar aquela incômoda posição de último colocado dentre os 137 países do planeta avaliados em 2017 no quesito credibilidade dos políticos.

Neste momento tão delicado, em que os políticos e os partidos estão desacreditados, vez que se perdeu seu sentido principiológico e ideológico, faz-se necessário ter um mínimo de respeito pelo povo, para que se possa fazer a travessia democrática de 7 de outubro.

Roberto Livianu

Promotor de Justiça em São Paulo, doutor em direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

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