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Marcus Vinicius Coêlho

O necessário diálogo entre o STF e o Congresso

Há bons exemplos de ação conjunta dos Poderes

Praça dos Três Poderes, em Brasília, com o STF à esquerda e o Congresso à direita
Praça dos Três Poderes, em Brasília, com o STF à esquerda e o Congresso à direita - Pedro Ladeira - 4.abr.18/Folhapress

São frequentes no debate público as análises que identificam atritos entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) por, em tese, um interferir nas competências do outro em casos específicos.
Cabe observar, no entanto, a existência de um permanente diálogo produtivo entre as decisões judiciais e os atos legislativos --uma interação fundamental para a harmonia entre os Poderes e para a efetivação da Constituição.

O trabalho conjunto dos Poderes Legislativo e Judiciário consegue extrair, inúmeras vezes, a melhor interpretação possível do texto constitucional, num processo comum em países de tradição democrática consolidada, como Reino Unido e Canadá.

Também no Brasil, o diálogo institucional tem levado a experiências bem-sucedidas. Ele ocorre, por exemplo, com a promulgação de emendas constitucionais em resposta a decisões do Supremo ou então com a devolução de matérias ao Congresso, exortando o legislador a elaborar as normas.

O diálogo sobre o teto remuneratório do serviço público, por exemplo, começou quando o STF entendeu que o artigo 37 da Constituição limitava apenas os vencimentos dos magistrados, e as "vantagens pessoais", como auxílio-moradia, não seriam afetadas pelo limite. O Congresso entrou no debate e aprovou a Emenda 41, de 2003, impondo teto também às vantagens. Quando voltou a se analisar o tema, o tribunal validou o conteúdo produzido no Legislativo.

O caso da verticalização das coligações eleitorais é parecido. Depois de o STF impedir partidos de fazerem, nos estados, alianças diferentes das nacionais, o Congresso promulgou, em 2016, a Emenda 52, dando autonomia para as siglas fazerem as coligações que quisessem, sem vincular o plano nacional ao local.

Quando a constitucionalidade da emenda foi questionada, o STF manteve a autonomia dos partidos --em clara sintonia com o processo ocorrido na Câmara e no Senado.

A Emenda 96, aprovada em 2017 e que protege a realização de esportes com animais desde que sejam manifestações culturais e assegurem o bem-estar animal, é outro caso de diálogo bem-sucedido.
O legislador cumpriu a decisão judicial tomada no ano anterior, quando o plenário do Supremo condicionou o uso de animais na vaquejada e nos demais esportes à garantia do bem-estar. E então o Congresso normatizou a questão.

Já a edição da Lei de Defesa do Usuário dos Serviços Públicos ocorreu após o ministro Dias Toffoli fixar prazo de 120 dias para que o Legislativo apreciasse a questão, inerte por mais de uma década. Outra provocação do STF resultou na aprovação, nas Casas Legislativas, da proposta de emenda que tornou a perda do mandato parlamentar consequência de decisão judicial condenatória.

No diálogo sobre o significado das normas constitucionais, o Congresso e o Supremo devem explicar quais são as razões constitucionais que justificam a superação da interpretação fixada pelo outro, dando início a uma nova rodada de discussão. A cada reversão, transfere-se o ônus argumentativo para o Poder que deseja fazer valer sua leitura do texto. 

Os Poderes devem, cada um amparado pela expertise institucional que lhe é própria, trabalhar em harmonia para solucionar adequadamente as controvérsias constitucionais, como ocorreu nos casos citados e como pode ocorrer com a prerrogativa de foro e com a execução de condenação penal colegiada.

Não há no direito, assim como na vida, uma verdade absoluta. A colaboração entre os Poderes reconhece institucionalmente a transitoriedade e a contingência do que é considerado ser correto. Essa é a prática que protege e promove a democracia e o Estado de Direito.

Marcus Vinicius Furtado Coêlho

Ex-presidente nacional da OAB (2013-2016) e atual presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da instituição

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