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Rogério Cezar de Cerqueira Leite: Ciência e autoestima do brasileiro

Projeto Sírius é um orgulho em meio à crise do país

O Brasil está despendendo R$ 1,8 bilhão em um único programa de pesquisas, projeto e fabricação de um Sincrotron de 4ª geração, denominado Sírius. É o único projeto brasileiro de tais dimensões que não está atrasado (incluídos todos os demais investimentos), devendo ser inaugurado, como previsto, ainda este ano.

Com R$ 1,12 bilhão já aplicado e a liberação de R$ 280 milhões ainda em 2018, terá sido o único projeto nacional para o qual não terá havido cortes orçamentários. A questão é tanto mais admirável quando lembramos que o Brasil tem demonstrado um permanente e inabalável descaso pela ciência e tecnologia. "Um milagre!".

O Sincrotron é um acelerador de elétrons que os leva a velocidades próximas da velocidade da luz. E esses elétrons emitem radiação eletromagnética (infravermelho, luz visível, ultravioleta, raios-X).

Existem no mundo uns 40 instrumentos desse tipo, e o Sírius deverá ser o mais avançado de todos. Consequentemente, será possível realizar experimentos no Sírius que não são factíveis hoje em nenhum outro lugar do mundo. Foi inteiramente projetado e construído no Brasil e por brasileiros, o que só foi possível graças à colaboração de cerca de 40 empresas brasileiras.

Este é o segundo Sincrotron projetado e construído pelo mesmo grupo de pesquisadores. O primeiro, denominado UVX, teve aproximadamente 2.000 pesquisadores externos este ano, provenientes de cerca de 300 instituições de pesquisas, 70 das quais do exterior, de 28 diferentes nações.

Essa afluência se explica pela enorme diversidade de aplicações científicas e tecnológicas proporcionadas por esse tipo de instrumento. Basta lembrar que contratos atuais do primeiro Sincrotron envolveram pelo menos 50 grandes empresas, dentre elas Petrobras, Braskem, Cristália, Natura, Aché, Dow, Rhodia etc.

Temos hoje quatro laboratórios nacionais: nanotecnologia, biociências, bioenergia e luz síncrotron. Uma comparação com laboratórios americanos do Departamento de Energia mostrou que, qualquer que seja o produto, os quatro Laboratórios Nacionais Brasileiros do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) são muito mais eficientes quanto ao uso de recursos públicos. 

Uma das razões dessa alta produtividade é o seu modelo de gestão. Os quatro laboratórios se integram no CNPEM, uma "Organização Social" --instituição privada, sem fins lucrativos. O órgão é gerido por um Conselho Administrativo composto por 15 membros indicados pelo governo e pela sociedade civil.

Atualmente, entre pesquisadores, engenheiros e administrativos são cerca de 1.000 empregados, dos quais 600 são CLT, e os demais pagos por outras instituições. São hoje 44 instalações abertas a usuários. Constitui o maior parque instrumental do hemisfério sul.

Tudo isso, entretanto, não explica a sobrevivência do Sírius durante esse cruento período de retração econômica. Parece-me que há só uma possível explicação. Envolveram-se com a utopia desse empreendimento não somente a comunidade científica, mas também todos os escalões envolvidos no processo decisório. A autoestima de todo brasileiro está em causa.

Se o  Sírius falhar, falha o cientista brasileiro, falha o governo brasileiro, falha o cidadão brasileiro, falha o Brasil. E esta talvez seja a maior importância do  Sírius: o nascimento de um sentimento de brasilidade com poucos precedentes neste país do carnaval e do futebol.

Rogério Cezar de Cerqueira Leite

Físico, professor emérito da Unicamp, membro do Conselho Editorial da Folha e presidente de honra do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM)

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