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Bruno Garschagen

A traição das elites e a ascensão da direita

Maioria dos candidatos se descolou da realidade

Palácio do Planalto, em Brasília
Palácio do Planalto, em Brasília - Daniel Marenco - 24.nov.10/Folhapress

A grande novidade política no Brasil não está na política formal, mas na sociedade. Trata-se de momento único pelo movimento social desde baixo para cima a partir da pluralidade de ideias conservadoras e liberais em debate, que influenciam diretamente dois candidatos ao Executivo: Jair Bolsonaro, líder das pesquisas com 17% (estimulada) e 11% (espontânea), e João Amôedo, que tem 1% das intenções de voto (estimulada e espontânea), segundo levantamento mais recente do Ibope.

Como analista, recuso-me a tratar Lula, corrupto condenado e preso, como candidato, tal qual fazem a imprensa e os institutos de pesquisas.

Três livros são fundamentais para entender o momento político e a emergência de conservadores e liberais: "A Rebelião das Massas", de Ortega y Gasset; "A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia", de Christopher Lasch; e "A Coerência das Incertezas", de Paulo Mercadante.

Ortega y Gasset nos apresenta a natureza do "homem-massa", que se rebelou, ignorou as suas obrigações, se colocou como "sujeito de direitos ilimitados" e desenvolveu um ódio mortal contra tudo o que não fosse ele mesmo. Lasch nos explica como, décadas depois do vaticínio do filósofo espanhol, as elites (no sentido sociológico) políticas e econômicas recusaram as suas responsabilidades históricas e rejeitaram arrogantemente tudo o que lhes fosse superior.

Mercadante, por sua vez, nos alerta sobre a coerência das incertezas que fundamenta a nossa capacidade de conciliar ambiguidades (que Gilberto Freyre chamou de equilíbrio de antagonismos); a fusão do positivismo (de Comte) com o marxismo que estrutura a nossa tradição política autoritária; e os símbolos que vinculam varguismo, regime militar, lulopetismo.

As recentes entrevistas de Ciro Gomes, Fernando Haddad, Geraldo Alckmin —e o acordo do candidato do PSDB com o centrão, o Mefistófeles que, uma vez bem-sucedido, cobrará o cumprimento do pacto— só reforçam a posição dessa elite rebelde e o seu descolamento da sociedade, contraposição entre o que acontece no conforto dos gabinetes e a violência na ruas.

Agora os seus membros, por essa razão, estão sendo obrigados a se olhar no espelho. O que a sociedade está vendo é o retrato carcomido de Dorian Gray.

A pesquisa do Ibope revelou como a desconexão dos políticos com a realidade foi recepcionada por parte dos eleitores: Jair Bolsonaro tem maior preferência porque é visto como alguém que não pertence a essa elite traidora como os demais candidatos (Ciro, Alckmin, Alvaro Dias, Marina Silva). Lula é um caso à parte.

Há ainda uma maioria que nem se vê, neste momento, representada por nenhum dos candidatos. Por isso, na estimulada, 33% pensam em votar branco ou nulo, e 8% nem decidiram em quem votar; na espontânea, o problema é ainda mais grave: 31% vão de branco ou nulo e 28% não escolheram.

Esse é o quadro atual: a maioria esmagadora dos eleitores, grupo dentro qual também residem parcelas de conservadores e liberais, rejeita todos os postulantes ao Executivo. Os dados apresentam, portanto, um desafio e uma oportunidade para a direita —e não só para esta eleição.

Mais importante do que a disputa eleitoral em si é o início do processo de maturidade política da sociedade brasileira, que passou a conhecer —e discutir— ideias outras que não apenas as socialistas e comunistas. É impossível, portanto, entender a emergência da direita brasileira —que terá repercussões na eleição deste ano e nas vindouras— sem a chave-de-leitura fornecida por Ortega y Gasset, Lasch e Mercadante.

Bruno Garschagen

Cientista político e autor do recém-lançado "Direitos Máximos, Deveres Mínimos: O Festival de Privilégios que Assola o Brasil" (ed. Record)

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