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Paulo Feldmann

A tributação de dividendos pode contribuir para reduzir o déficit público? SIM

Uma questão de justiça

O professor de economia Paulo Feldmann em seminário promovido pela Folha em 2014
O professor de economia Paulo Feldmann em seminário promovido pela Folha em 2014 - Moacyr Lopes Junior - 28.ago.14/Folhapress

Hoje um trabalhador assalariado que ganha R$ 5 mil por mês, ao fazer seu Imposto de Renda, vai pagá-lo baseado numa alíquota de 27,5%, enquanto um grande empresário cuja empresa distribuiu R$ 500 mil por mês a título de lucros e dividendos não vai pagar nada. Assim é o nosso sistema tributário. Pode se falar tudo dele, menos que seja justo.

O Brasil é realmente o país das grandes contradições: ao mesmo tempo em que estamos entre os dez países mais ricos do mundo também estamos entre os dez com a pior distribuição de renda.

Nesse último aspecto, estamos ao lado dos países da África subsaariana. Aqui, o grupo mais rico constituído por 2 milhões de pessoas --ou seja, 1% da população-- recebe 28% de toda a renda do país. E essa concentração da renda, na mão de tão poucos, se torna agravada pelo sistema tributário.

Isso porque o Brasil é um dos poucos países do mundo que não tributam pessoas físicas por lucros e dividendos recebidos. Em nosso país, a carga tributária é concentrada em tributos indiretos e regressivos, e não em tributos diretos sobre a renda, como na maioria dos países.

Basta ver que o principal imposto em termos de valores arrecadados é o ICMS, e não o Imposto de Renda. Claro que isso acarreta distorções, para não dizer injustiças, pois os alimentos, por exemplo, são consumidos pelos ricos e pelos pobres, mas o impacto do imposto incidente é desprezível para quem é rico e altamente significativo para o bolso de quem é pobre.

Interessante que no passado havia cobrança de impostos sobre lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas, mas ela foi extinta em 1995, logo no início do governo Fernando Henrique Cardoso. Passados 23 anos, é clara a necessidade da volta daquela cobrança.

E não apenas por uma questão de justiça, mas por necessidade. Vejam: neste ano, os números do governo devem fechar, se formos otimistas, com um déficit de R$ 150 bilhões. Se voltássemos a ter a tributação mencionada nos moldes de 1995, conseguiríamos diminuir este déficit em cerca de R$ 60 bilhões.

Isso porque a Receita Federal nos informa que, em 2017, as pessoas físicas receberam quase R$ 400 bilhões de lucros e dividendos. Aplicando a alíquota de 1995, que era de 15%, chegamos aos R$ 60 bilhões.

Todos sabemos que a carga tributária brasileira --de 34% do PIB-- já é uma das mais altas do mundo, mas a proposta que aqui fazemos não vai aumentar esse percentual. Para isso, a reintrodução da cobrança sobre pessoas físicas precisa vir acompanhada de outras medidas compensatórias, como a de focar nos segmentos de alta renda mas isentar pessoas físicas que tenham renda mensal abaixo dos R$ 5.000.

Muitos vão alegar que a volta do imposto para pessoas físicas significa uma bitributação, pois já existe cobrança sobre as empresas. A solução está numa redução da alíquota, mas inversamente proporcional ao tamanho da empresa, privilegiando, claro, as micro e pequenas empresas, para as quais a cobrança deveria ser eliminada.

Esta semana o IBGE divulgou que existem 27,6 milhões de brasileiros que não encontram trabalho. Medidas que reduzam a desigualdade e comecem a fazer o país retomar o crescimento são necessárias. É nessa linha que se defende a taxação dos lucros e dividendos de empresas recebidos pelas pessoas físicas.

Paulo Feldmann

Professor de economia da USP e ex-presidente da Eletropaulo (1995-96, governo Covas)

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