Descrição de chapéu

Maduro versus Maduro

Gesto do ditador de reconhecer falhas visa aplacar tensão dentro do aparato chavista

O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, durante reunião em Caracas
O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, durante reunião em Caracas - Miraflores Palace/Reuters

A ruína em que se encontra a Venezuela e o determinante papel do chavismo para tal são de amplo conhecimento naquele país e no mundo. Faltava, entretanto, o regime admiti-lo, o que se deu com um discurso do ditador Nicolás Maduro, na segunda-feira (30), em congresso do oficialista PSUV.

“Os modelos produtivos testados até agora fracassaram, e a responsabilidade é nossa, é minha”, afirmou Maduro, diante de uma plateia surpreendida. Por mais que se afigure um diagnóstico óbvio, jamais fora feito pelo mandatário.

Ele também desmontou seu próprio argumento de que a situação catastrófica se deve a uma “guerra econômica” contra o governo, empreendida pelo empresariado com apoio dos EUA. Disse aos acólitos: “O imperialismo nos agride? Basta de choramingar (...). Que nos agrida, cabe a nós produzir, com agressão ou sem agressão”.

Já se havia testemunhado o mesmo tom de autocrítica no sábado (28), durante o anúncio de mudanças na regulação da venda da gasolina, a mais barata do mundo. 

“Dizer que se dá de presente é pouco. Nós pagamos para jogá-la fora”, declarou, em referência ao preço aberrante do combustível subsidiado. Com US$ 1 (R$ 3,75) seria possível comprar mais de 3 milhões de litros —levando-se em conta a cotação da moeda no câmbio paralelo, adotado para praticamente todas as transações.

Não se deve interpretar o aparente surto de sinceridade do ditador como suicídio político. O gesto de reconhecer falhas visa aplacar a tensão dentro do aparato chavista, que cobra uma mudança de rumo para estancar a crise econômica.

Ocorre, porém, que o caminho sugerido revela o Maduro de sempre. Anunciou, por exemplo, corte de cinco zeros nas cédulas de bolívar, o que nem mesmo servirá para maquiar a inominável inflação do país, estimada pelo FMI em 1.000.000% para este ano.

Quanto aos combustíveis, o tal “uso racional” consistirá em vincular a distribuição de gasolina barata à posse da chamada Carteira da Pátria, por meio da qual já se controlam outros programas assistencialistas. Um aumento escalonado dos preços, medida mais lógica e em tese incontornável, esbarra no temor de um levante popular.

Atente-se, ainda, para a previsão de “uns dois anos” para a Venezuela alcançar “alto nível de estabilidade”. Da maneira como se conduz a economia, seria necessário muito mais tempo para algum sinal de retomada. Por outra ótica, o descalabro é de tal monta que pairam dúvidas sobre a capacidade do regime de se sustentar até lá.

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