Há cerca de 30 anos, Owen Fiss, professor da Faculdade de Direito de Yale e caro e dileto amigo, escreveu relevantíssimo artigo com o nome 'The death of the law" (A morte do direito). Referia-se e criticava duas tendências que, segundo ele, estavam matando o direito e o raciocínio acadêmico sobre o direito em seu país.
De um lado, certa vertente dos chamados "critical legal studies", que via o direito como mera extensão da política. De outro, a análise econômica do direito, que o via como extensão dos raciocínios econômicos (bem simplistas na análise econômica do direito, diga-se de passagem, em respeito à ciência econômica).
Pois bem a prática brasileira desses últimos tempos tem se aproximado desse triste vaticínio. De um lado, na esfera das relações políticas e penais, o direito tem sido aplicado como extensão da política, muitas vezes sem nenhuma consideração às garantias individuais e direitos fundamentais. O resultado: o direito é instrumentalizado e sucumbe aos desígnios políticos dominantes.
Na esfera econômica, o mesmo ocorre. O direito sucumbe mais e mais aos desígnios econômicos e suas versões teóricas mais simplistas. As pressões dos interesses econômicos transformam o país em um verdadeiro paraíso de Bork.
Para esse autor, ícone dos primórdios da análise econômica do direito, o direito da concorrência devia basicamente resumir-se ao combate aos cartéis, deixando de lado todo o resto —concentrações horizontais, a maior parte das integrações verticais mais relevantes etc. O resultado de 30 anos de aplicação dessa política minimalista nos EUA, diga-se de passagem, é uma economia crescentemente dominada pelos monopólios e com crescente concentração de renda.
É o que vem fazendo o Brasil. Já há algum tempo combatem-se os cartéis, mas o resto não merece tanta atenção. De um lado aprovam-se concentrações em setores de infraestrutura que marcarão o país negativamente por décadas e se desconsideram condutas que podem levar à dominação de notícias e informações em redes sociais.
De outro lado, enfrentam-se questões estruturais com medidas meramente compensatórias, como se acordos (que de exceção em direito administrativo vêm se tornando perigosamente a regra) e multas (baixíssimas, diga-se de passagem, se comparadas aos prejuízos causados) fossem capazes de resolver o problema do abuso de poder econômico e da corrupção.
Deixam-se de lado exatamente as reformas estruturais (regulação de monopólios, alienação de controle de empresas privadas oligopolistas que abusam de seu poder e corrompem), que poderiam garantir verdadeira transformação.
Mas não é só. Ainda na esfera econômica, o direito societário padece. Concepções dos primórdios do contratualismo societário do século 19, que viam na empresa coisa exclusivamente dos sócios, aqui têm guarida na jurisprudência e em certos projetos legislativos.
Preocupações mais modernas em identificar e internalizar outros interesses (como o ambiental e social) ainda são vistas por muitos como esquisitices acadêmicas. Falta a compreensão de sua importância e relevância para a sociedade civil como um todo e para aumentar o próprio valor econômico das empresas.
Ainda assim, discordo de meu amigo Fiss quanto ao título. O direito está em uma fase de crepúsculo, mas acredito no seu retorno. Ao crepúsculo segue-se sempre o amanhecer (a dúvida é quanto à duração da noite). O Brasil tem uma esfera jurídica dedicada e em sua maioria ciente de seu dever de garantia de direitos fundamentais e valores jurídicos. Tenho a esperança de que a (grande) parcela idealista da esfera jurídica e política garantirá um breve amanhecer.
O crepúsculo do direito
Esfera jurídica vai superar este momento ruim
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