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Calixto Salomão Filho

O crepúsculo do direito

Esfera jurídica vai superar este momento ruim

Estátua da Justiça diante do prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília
Estátua da Justiça diante do prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília - Pedro Ladeira - 6.mar.15/Folhapress

Há cerca de 30 anos, Owen Fiss, professor da Faculdade de Direito de Yale e caro e dileto amigo, escreveu relevantíssimo artigo com o nome 'The death of the law" (A morte do direito). Referia-se e criticava duas tendências que, segundo ele, estavam matando o direito e o raciocínio acadêmico sobre o direito em seu país.

De um lado, certa vertente dos chamados "critical legal studies", que via o direito como mera extensão da política. De outro, a análise econômica do direito, que o via como extensão dos raciocínios econômicos (bem simplistas na análise econômica do direito, diga-se de passagem, em respeito à ciência econômica).

Pois bem a prática brasileira desses últimos tempos tem se aproximado desse triste vaticínio. De um lado, na esfera das relações políticas e penais, o direito tem sido aplicado como extensão da política, muitas vezes sem nenhuma consideração às garantias individuais e direitos fundamentais. O resultado: o direito é instrumentalizado e sucumbe aos desígnios políticos dominantes.

Na esfera econômica, o mesmo ocorre. O direito sucumbe mais e mais aos desígnios econômicos e suas versões teóricas mais simplistas. As pressões dos interesses econômicos transformam o país em um verdadeiro paraíso de Bork.

Para esse autor, ícone dos primórdios da análise econômica do direito, o direito da concorrência devia basicamente resumir-se ao combate aos cartéis, deixando de lado todo o resto —concentrações horizontais, a maior parte das integrações verticais mais relevantes etc. O resultado de 30 anos de aplicação dessa política minimalista nos EUA, diga-se de passagem, é uma economia crescentemente dominada pelos monopólios e com crescente concentração de renda.

É o que vem fazendo o Brasil. Já há algum tempo combatem-se os cartéis, mas o resto não merece tanta atenção. De um lado aprovam-se concentrações em setores de infraestrutura que marcarão o país negativamente por décadas e se desconsideram condutas que podem levar à dominação de notícias e informações em redes sociais.

De outro lado, enfrentam-se questões estruturais com medidas meramente compensatórias, como se acordos (que de exceção em direito administrativo vêm se tornando perigosamente a regra) e multas (baixíssimas, diga-se de passagem, se comparadas aos prejuízos causados) fossem capazes de resolver o problema do abuso de poder econômico e da corrupção.

Deixam-se de lado exatamente as reformas estruturais (regulação de monopólios, alienação de controle de empresas privadas oligopolistas que abusam de seu poder e corrompem), que poderiam garantir verdadeira transformação.

Mas não é só. Ainda na esfera econômica, o direito societário padece. Concepções dos primórdios do contratualismo societário do século 19, que viam na empresa coisa exclusivamente dos sócios, aqui têm guarida na jurisprudência e em certos projetos legislativos.

Preocupações mais modernas em identificar e internalizar outros interesses (como o ambiental e social) ainda são vistas por muitos como esquisitices acadêmicas. Falta a compreensão de sua importância e relevância para a sociedade civil como um todo e para aumentar o próprio valor econômico das empresas.

Ainda assim, discordo de meu amigo  Fiss quanto ao título. O direito está em uma fase de crepúsculo, mas acredito no seu retorno. Ao crepúsculo segue-se sempre o amanhecer (a dúvida é quanto à duração da noite). O Brasil tem uma esfera jurídica dedicada e em sua maioria ciente de seu dever de garantia de direitos fundamentais e valores jurídicos. Tenho a esperança de que a (grande) parcela idealista da esfera jurídica e política garantirá um breve amanhecer.

Calixto Salomão Filho

Professor-titular da Faculdade de Direito da USP e professor do Instituto de Estudos Políticos (Sciences Po) de Paris

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