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Roberto Azevêdo

Por que precisamos da OMC?

Comércio global está sob ameaça; é preciso agir

O diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, em entrevista coletiva em Genebra, em julho
O diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, em entrevista coletiva em Genebra, em julho - Xu Jinquan - 26.jul.18/Xinhua

O comércio global está sob ameaça. Pode-se discutir se o quadro é de guerra comercial ou não, mas o fato é que os primeiros tiros já foram disparados. Precisamos estar atentos e, sobretudo, agir.

A situação é extremamente séria. Restrições comerciais recíprocas não podem se tornar o novo normal. Uma escalada contínua dessas medidas pode causar enorme impacto econômico, ameaçando empregos e crescimento em todos os países.

A comunidade internacional como um todo tem a responsabilidade de ajudar a resolver esse problema. Tenho contatado governos e líderes de todo o mundo, incentivando o diálogo e explorando caminhos para lidar com a situação.

Mas também tenho falado com a sociedade civil em geral —inclusive Parlamentos, empresas, think-tanks e mídia— para alertar sobre o que está em jogo. Todos aqueles que acreditam no potencial do comércio internacional devem se manifestar. O silêncio pode ser tão prejudicial quanto as ações que levam a uma guerra comercial.

Há alguns sinais de progresso. As pessoas estão começando a se manifestar. Líderes e associações empresariais estão pedindo aos governos que se abstenham de levantar novas barreiras, que negociem e encontrem soluções. Ao mesmo tempo, entre lideranças de todo o mundo vemos um maior engajamento na OMC. Em vez de desmantelar o sistema, eles querem fortalecê-lo e melhorá-lo. Isso pode nos ajudar a reduzir tensões e encontrar um caminho para sair da crise atual.

A conversa sobre o fortalecimento da OMC não é nova. Nos últimos anos, tenho trabalhado com os membros da organização nesse sentido —e conseguimos resultados reais. Fechamos acordos importantes, como o Acordo de Facilitação do Comércio, o fim dos subsídios às exportações agrícolas e a expansão do Acordo de Tecnologia da Informação.

Apesar desses avanços, muitos acreditam ser necessário um debate mais amplo sobre reformas. Algumas conversas já estão acontecendo, mas ainda não há uma visão comum sobre a direção a tomar.

De qualquer forma, não há dúvida de que precisamos redobrar nossos esforços para garantir que o sistema multilateral de comércio responda melhor às necessidades dos seus membros e aos desafios de uma economia global em constante mudança.

Ao mesmo tempo, os membros também precisam lidar com a ameaça ao sistema de solução de controvérsias da OMC, mecanismo ao qual recorrem quando entendem que as regras da organização foram violadas. Esse sistema é um dos pilares fundamentais da governança econômica global, impedindo que disputas comerciais se transformem em confrontos muito mais sérios.

Ele tem se mostrado altamente eficaz para sustentar um regime que conta com 164 membros e cobre 98% do comércio global. Muitas disputas são resolvidas antes mesmo da fase do litígio —e, quando chegam a essa etapa, o grau de cumprimento das decisões é bastante alto. Cerca de 90% das decisões já foram integralmente implementadas.

Apesar disso, o sistema de solução de controvérsias enfrenta sério desafio. Está bloqueado o processo de nomeações para o seu Órgão de Apelação —o corpo de especialistas que decide as apelações nas disputas da OMC—, devido a preocupações dos EUA.

À medida que os mandatos dos atuais membros do Órgão de Apelação chegam ao fim e que seus substitutos não são nomeados, o órgão se aproxima da composição mínima necessária para seu funcionamento. Os membros da OMC se dizem prontos para discutir o assunto, mas no momento essa conversa não está avançando. Precisamos de um compromisso real de todos os lados para resolver o impasse.

O mundo precisa da OMC mais do que nunca. Sem ela, enfrentaríamos um futuro de incertezas, de guerra comercial e de crescimento mais baixo —em todos os países, pobres e ricos. Devemos aproveitar o momento para fortalecer a cooperação global no comércio. Afinal, isso é do interesse de todos nós.

Roberto Azevêdo

Diretor-geral da Organização Mundial do Comércio; engenheiro elétrico e diplomata de carreira

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