Para os críticos do chamado ativismo judicial, a decisão da nossa Suprema Corte de deixar nas mãos do legislador a questão da educação domiciliar pode ter sido acertada. Afinal de contas, num regime democrático, legislar sempre foi função do Parlamento.
Mesmo admitindo que o STF possa ter moldado seu julgamento com o gabarito correto, se acertou na fôrma, não há dúvidas de que errou na forma. E errou feio.
Errou porque demonstrou (à exceção do ministro Luís Roberto Barroso, que se debruçou realmente sobre o tema) completo desconhecimento sobre o "homeschooling", suas origens, essências, práticas e resultados.
Os votos proferidos, em sua maioria, revelaram o quão distante está a maioria dos ministros do Supremo da realidade da educação básica. Cheios de citações estranhas e irrelevantes, enfatizando a exceção em detrimento da regra, com direito a frases de efeito e até mesmo ofensivas às famílias, quando foi dito, por exemplo, que "o Estado deveria proteger os filhos dos pais". Por conseguinte, errou ao não seguir o relator, tendência clássica do nosso STF, especialmente em casos dos quais nada ou pouco se conhece.
Errou ao não questionar a legitimidade da manifestação de duas dezenas de procuradores estaduais, que não representavam naquele momento a posição dos seus estados, pois não há registro de que algum governador nas 27 unidades da Federação tenha se posicionado a respeito do "homeschooling". Apenas acompanhavam o colega procurador do Rio Grande do Sul, por puro corporativismo.
O STF errou porque ignorou estudos científicos reconhecidos pela comunidade acadêmica mundial, que demonstram, entre outras coisas, que os "homeschoolers" apresentam resultados acadêmicos 15 a 30% superiores aos dos estudantes de educação escolar, além de maior sociabilidade e mais tolerância política e religiosa.
Nossa Corte suprema errou porque vive muito distante da dura realidade das instituições escolares; pelo contrário, verbaliza sobre uma escola ideal, utópica, existente só na fantasia de alguns acadêmicos.
Esquece-se de que estamos educando crianças da geração Google em salas de aulas do século 19.
Errou por receio de colocar em xeque o paradigma escolar, em vez de sair da posição de conforto mantida pelo mantra "lugar de criança é na escola", repetido sistematicamente pelos nossos governos aos quatro ventos durante décadas a fio.
Errou também quando perdeu grande oportunidade de fazer história, de tirar o Brasil da vexatória 58ª posição no Ranking de Liberdade Educacional da Oidel, figurando entre o Qatar e o Camboja.
Errou quando, ao não reconhecer o direito líquido e certo dos pais, ignorou mais de 7.500 famílias, decididas a permanecerem educando suas 15 mil crianças e adolescentes fora da escola, enquanto lutam por seus direitos, deixando-as à mercê de promotores e juízes, sob o risco de enorme perturbação social, pois foram jogadas na ilegalidade até que haja regulamentação adequada.
O STF errou mesmo na forma, pois se não desconsiderou o princípio da legalidade, um dos pilares da nossa Constituição, parece ter se esquecido dos tratados internacionais (dos quais o Brasil é signatário) que colocam os pais na condição de prioridade no direito de escolha do gênero de instrução a ser ministrado aos seus filhos.
Reconhecer a constitucionalidade da educação domiciliar no Brasil, mesmo sem legislação específica, não seria ativismo judicial. Seria uma devolução de um direito.
A decisão do STF de considerar ilegal a educação domiciliar foi correta? NÃO
A fôrma fora de forma
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