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Angelo Oswaldo de Araújo Santos

Abram o debate sobre a Abram

Criação de agência é resposta apressada da União

O desaparecimento do Museu Nacional, repercutindo em todo o mundo, instaurou um clima de perplexidade no Brasil. Sentimentos de frustração e de revolta pareceram tolher, nos primeiros momentos, a reflexão crítica sobre o quadro museal brasileiro e as medidas a serem tomadas tanto para a reinvenção do museu perdido quanto para a salvaguarda das instituições congêneres.

O governo atropelou o estarrecimento geral a fim de endereçar uma resposta rápida à opinião pública descrente da autoridade instalada no Planalto. Não se preocupou em ouvir museólogos, cientistas, acadêmicos e representantes da cultura.

Consultou os banqueiros, conforme o presidente da República fez questão de enfatizar, na fala de anúncio da solução: transformar o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) --autarquia criada em 2009 à semelhança do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), numa agência nacional, à maneira do Sebrae, a fim de levantar recursos junto aos banqueiros e demais próceres da iniciativa privada.

Não avaliou o governo as possibilidades que o Ibram oferecia ao país, seja pelo aparato legal de que dispunha, seja pelo corpo qualificado de servidores.

Não faltaram vozes cortesãs para afirmar que havia muitos diretores no Ibram, mais numerosos que os museus sob sua tutela, como se coubesse ao instituto extinto a tarefa restrita de cuidar dos museus que pertenceram ao Iphan, esquecido do campo museológico brasileiro, no qual se ilumina uma constelação de quase 4.000 unidades públicas e privadas.

Cabia ao Ibram a coordenação de uma política nacional de museus, de modo a valorizar as variadas ações demandadas pelo setor, a começar das estratégias de gestão de riscos, uma das pautas mais importantes do trabalho num museu.

A presteza da prestidigitação de que resulta a Abram (Agência Brasileira de Museus) tende a desvelar o propósito idêntico com relação ao Iphan e ao próprio Ministério da Cultura.

Criado há mais de 80 anos, o organismo gestor do patrimônio cultural brasileiro tornou-se alvo do atual governo desde a tentativa de extinção do Ministério da Cultura e da sua recriação por meio de ato no qual consta a criação de uma Sephan (Secretaria Especial de Patrimônio Histórico e Artístico), que se destinaria a rever e anular atos do Iphan e do Conselho Nacional do Patrimônio.

O atual governo e seus seguidores não querem a pasta da Cultura, não aceitam o Iphan e extinguem o Ibram, sob o argumento de que uma agência terá condições de angariar somas vultosas junto à iniciativa privada para a manutenção dos museus.

Como a medida provisória deve ser apreciada pelo Congresso Nacional, resta a esperança de que a proposta do presidente possa ser objeto de aprofundado debate.

É imprescindível a participação de quem faz parte do campo museal e tem contribuições significativas a propor à discussão e definição do melhor caminho para uma política pública de museus e a representação do governo federal no setor.

O governo teve pressa em editar uma resposta, mas deixa muitas perguntas no ar. Desde logo, vê-se que o próximo mandatário deverá ter condições de garantir uma análise objetiva da questão, em busca de um caminho que hoje não se mostra seguro e tende a conduzir a novos impasses.

Angelo Oswaldo de Araújo Santos

Secretário de Cultura de Minas Gerais; ex-presidente do Ibram (2013-2014) e do Iphan (1985-1987) e ex-prefeito de Ouro Preto (1993-1996; 2005-2012)

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