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Fábio Tofic Simantob

Candidato, cadê a bula?

Há que cobrar viabilidade de ideias de campanha

O advogado Fábio Tofic Simantob, em evento em São Paulo - Marcus Leoni - 14.ago.17/Folhapress

Você compraria um leite cuja embalagem anunciasse possuir as mesmas qualidades do leite materno, ou um produto dermatológico que promete uma pele perfeita do dia para noite, ou um sabão em pó que anuncia que mesmo depois da enésima lavagem continua deixando a roupa nova, ou ainda um xampu que lhe afiança cabelos idênticos aos das estrelas de Hollywood?

Quem disser que acredita nessas promessas será imediatamente chamado de ingênuo, tolo, ou coisa parecida. Por que então, quando o assunto é política criminal ou segurança pública, as promessas não encontram a mesma resistência do ceticismo corriqueiro?

Pois é com esta provocação que um conglomerado de instituições chamado Rede de Justiça Criminal lançou a campanha "#EleiçõesSemTruque" e pretende levar o eleitor a refletir, lembrando-o, por exemplo, de cobrar do candidato não apenas propostas, mas principalmente a sua execução.

Quantos presídios o país vai ter que construir para dar conta de todos os presos que o sistema, que hoje já regurgita preso de tão superlotado, receberá caso sejam aprovadas as propostas de aumento de penas anunciadas pelo candidato? O Orçamento possui verba para tudo isso? Qual a verba que o candidato pretende direcionar para o sistema penitenciário? Sobraria dinheiro para melhorar a capacidade investigativa das polícias, em atual estado de miséria? De onde o candidato pretende tirar verba para tudo isso?

O que mais, porém, o eleitor precisa cobrar dos candidatos quando o assunto for política criminal é que seja informado sobre os efeitos colaterais dos "produtos" eleitorais que são anunciados durante a campanha.

Sabe aquelas letrinhas que por determinação dos órgãos reguladores os fabricantes são obrigados a colocar nas embalagens ou nas bulas de remédio informando que tal produto possui substâncias cancerígenas, ou que consumido em doses altas pode acarretar sérios danos à saúde? Pois bem, os remédios que os candidatos oferecem à população como solução também precisam indicar na bula as contraindicações.

Uma proposta que promete ampliar poderes dos órgãos de repressão penal precisa vir acompanhada da necessária explicação do seu efeito colateral: o risco de tornar a casa e a liberdade de cada um de nós mais vulneráveis ao arbítrio dos agentes do Estado.

A promessa de restringir direitos e garantias fundamentais deve conter a contraindicação de que a Justiça não distingue bandidos de mocinhos, de modo que, aceitando reduzir direitos daqueles que meu candidato ou eu consideramos bandidos, estou também aceitando diminuir os meus próprios direitos caso precise deles se um dia for acusado de um crime.

O candidato que pretende liderar nossa democracia deve apresentar propostas de políticas públicas racionais, desapaixonadas, que caibam no orçamento do Estado.

Deve, ainda, apostar em medidas de impacto positivo, como a expansão da política nacional de utilização e aprimoramento de alternativas penais para crimes não violentos, inclusive pequenos delitos relacionados à lei de drogas, concentrando esforços no investimento em tecnologia e inteligência investigativa --bons exemplos de como, sem grandes desforços legislativos, é possível colocar o tratamento do crime no Brasil em outro patamar.

Fábio Tofic Simantob

Advogado e presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

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