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Debate irremediável

Droga sofosbuvir, capaz de curar 95% dos casos de hepatite C, torna-se objeto de disputa

Ponto de orientação sobre a hepatite C, na avenida Paulista, no centro de São Paulo
Ponto de orientação sobre a hepatite C, na avenida Paulista, no centro de São Paulo - Marcelo Chello/CJPress/Folhapress

Poucos temas se mostram tão contenciosos quanto o de preços de remédios. Quando um tratamento pode salvar vidas, mas chega a custar R$ 35 mil por pessoa, esgarça-se até o limiar de rompimento o princípio saudável da não interferência do Estado na livre iniciativa.

Tornou-se objeto de disputa, nas últimas semanas, a droga sofosbuvir, capaz de curar 95% dos casos de hepatite C —infecção viral que pode resultar em cirrose e tumores de fígado, não raro demandando transplante do órgão vital. Estimam-se 700 mil infectados no país.

O medicamento inovador veio substituir antivirais cuja taxa de sucesso era de apenas 50%. No lançamento em 2013, o preço de uma única pílula do remédio chegava a custar US$ 1.000, ou R$ 4.197 pela taxa de câmbio desta quinta (13).

Está em curso uma campanha mundial para quebrar o monopólio da fabricante americana Gilead. No Brasil, a empresa tenta barrar a formulação genérica do preparado que permitiria ao Sistema Único de Saúde (SUS) economizar cerca de R$ 1 bilhão por ano, como noticiou esta Folha.

Em tomada de preços de julho, o sofosbuvir genérico foi ofertado pela fabricante nacional Farmanguinhos a R$ 35 por comprimido, contra R$ 140 do produto original. A compra deveria efetivar-se em agosto, mas terminou sustada diante da contestação da farmacêutica dos Estados Unidos.

Há 12 mil doentes na fila de espera do SUS pelos antivirais. A Gilead teve 124 pedidos de patente rejeitados pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), mas há dois pendentes que poderiam impedir a comercialização do sofosbuvir alternativo.

Um genérico só pode ser produzido se a patente se extinguir ou se houver licenciamento compulsório da droga desenvolvida. No Brasil, o recurso foi empregado para baratear e disseminar custosos remédios contra o vírus HIV.

Na China, onde há cerca de 10 milhões de pessoas com hepatite C, foram rejeitadas em agosto partes cruciais do pedido de patente que inviabilizariam a produção do genérico. A economia ali seria de até US$ 87 bilhões, calcula-se.

No Brasil, a poupança ajudaria um governo atolado em crise orçamentária. Seria prudente, porém, manter os canais de negociação para obter novas reduções de preço sem emitir o sempre problemático sinal de que aqui se quebram patentes facilmente.

A empresa pode argumentar, não sem razão, que o privilégio da patente serve para remunerar o investimento realizado ao desenvolver o remédio. Igualmente verdadeiro é o interesse dos enfermos, e esse conflito não se dá sem custos.

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