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Modesto Carvalhosa

O Congresso deve votar reformas ainda neste ano, após as eleições? NÃO

Seria o Congresso capaz de aprovar reformas?

O professor de direito Modesto Carvalhosa, durante lançamento de seu livro em São Paulo, em junho
O professor de direito Modesto Carvalhosa, durante lançamento de seu livro em São Paulo, em junho - Zanone Fraissat - 11.jun.18/Folhapress

Bem que poderia ser sim, mas, com pesar, a resposta é um rotundo não.

A atual legislatura termina em 1º de fevereiro, com o que o nosso venerando e amado Congresso, após o término da intervenção federal no Rio de Janeiro, terá somente um mês para aprovar as emendas constitucionais necessárias à implementação das reformas.

Os textos dessas reformas estão prontos, discutidos e formatados. Para a devida sequência do processo legislativo constitucional, bastaria, então, que os senhores parlamentares tivessem "vontade política" e votassem. Ora, as reformas são cruciais para permitir a governabilidade do país no próximo mandato presidencial e nos seguintes.

A situação fiscal do Estado é pré-falimentar, e é fato público e notório que quase 100% do orçamento (incluindo a arrecadação e o monstruoso déficit de R$ 200 bilhões) está constitucionalmente vinculado a despesas com os salários dos servidores públicos e o pagamento da Previdência Social.

Trata-se das famigeradas "despesas de custeio" e dos encargos sociais, que vão nos transformar numa enorme Grécia, ou seja, levar à decretação da quebra do país, e aí o único remédio será imprimir dinheiro, ressuscitando a inflação e suas conhecidas mazelas sociais e econômicas.

Nem é preciso ir longe. Vejam-se os exemplos dramáticos, logo ali, da Argentina, e, aqui mesmo, dos Estados do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Sem reforma da Previdência, a principal delas, não é exagero dizer que Previdência pública não haverá mais.

E, no entanto, a despeito disso, reforma da Previdência nenhuma ocorrerá, porque os nossos festejados congressistas estão interessados numa única, só e obsessiva coisa: a sua reeleição. Não importa que a eleição de 2018 já terá passado. Haverá as próximas, de 2020 e 2022.

O raciocínio de nossos lídimos e autênticos representantes assim pode ser traduzido: "Se fui reeleito, quero continuar a sê-lo sempre, a cada novo pleito, pois sou um político profissional; se, todavia, não fui reeleito, vou tentar de novo dentro de quatro anos". Nenhum espírito público. Nenhuma preocupação com o presente e o futuro do país, cuja situação fiscal, se não for resolvida, levará à sua completa degradação social e econômica.

Nada de contrariar o eleitorado, que, tanto aqui como em toda parte do mundo (vide o caso da França), rejeita qualquer alteração nos atuais benefícios previdenciários, embora esteja claro que, perecendo o Estado, também a Previdência deixa de existir.

A democracia representativa, contudo, justifica-se por arbitrar os interesses pessoais e o interesse público, pois, como ensinava Edmund Burke já no século 18, "o Parlamentar exerce um trabalho de razão e de juízo, a serviço do bem comum, e não do simples querer dos eleitores e dos preconceitos locais" (Speech to the Electors of Bristol).

No Brasil, o resgate desse papel mediador, arbitral, depende da instauração de uma Assembleia Constituinte que, entre outras providências, consagre o voto distrital puro e proíba a reeleição, de modo que a figura do político profissional, que só deseja perpetuar-se no poder, dê lugar à do cidadão que ofereça seu esforço e talento à sociedade, agindo sob o signo daquela virtude democrática tão esquecida como hoje ansiada, que é o bom e velho civismo.

Modesto Carvalhosa

Professor aposentado da Faculdade de Direito da USP e autor de "O Livro Negro da Corrupção"

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