O modo de gastar pode não dizer tudo, mas ajuda muito a revelar traços de um governo que ficam escondidos atrás do discurso oficial.
O secretário municipal de Segurança Urbana de São Paulo, José Roberto Rodrigues de Oliveira, publicou artigo contestando reportagem desta Folha que mostrava como o candidato ao governo paulista João Doria (PSDB) prometia priorizar segurança, mas havia cortado gastos na área enquanto era prefeito.
Rodrigues argumenta que a reportagem erra ao sugerir que "priorizar é gastar mais" e que "gerir bem o dinheiro público é fazer mais com menos".
O secretário também faz recorte mais amplo que o da reportagem, o que dá a falsa impressão de que os gastos se mantiveram estáveis no ano passado. Bastaria ter feito a correção da inflação para notar que neste exato recorte a verba para a área passou de R$ 543 milhões, em 2016, para R$ 527 milhões no ano seguinte.
Já a estratégia de se fazer mais com menos tem efeito limitado em cenário de sucessivos cortes desde 2013, quando a cidade gastou R$ 596 milhões em segurança, em valor corrigido. Comparando com aquele ano, São Paulo teve de fazer mais com R$ 69 milhões a menos em 2017 --ano em que, por outro lado, gastou 7% a mais com publicidade.
O passivo é uma GCM (Guarda Civil Metropolitana) em que agentes se queixam da falta de material de escritório, armamento não letal e de uniformes. Sem reajuste de salário, também falta ânimo a eles para vestirem o próprio uniforme.
A gestão diz que 753 guardas tomaram posse a partir de 2017. Mas, devido à rotatividade, o acréscimo real é de apenas 256 agentes. Quatro anos atrás, havia 285 guardas a mais que hoje.
Entre as funções dos 6.065 membros da corporação está a de zelar a segurança em mais de cem parques e 5.000 praças. Em capitais como Rio e Belo Horizonte, onde há bem mais guardas por habitante, os agentes têm menos lugares para vigiar com maior efetivo.
O secretário menciona o cenário de "queda na arrecadação de impostos" para justificar cortes. Na verdade, a arrecadação de impostos cresceu, mas, assim como nos anos anteriores, boa parte das transferências não veio, gerando um déficit de R$ 3 bilhões entre a receita prevista e realizada em 2017.
O buraco teria sido mais fácil de contornar se Doria não tivesse congelado a tarifa de ônibus no primeiro ano, cumprindo promessa de campanha que ajudou a estrangular investimentos.
A gestão cita como compensação ao dinheiro curto doações de câmeras, motos e 600 pistolas Glock.
Apesar da ajuda, segundo contas da prefeitura, as doações somaram R$ 4 milhões em 2017, o que nem de longe remenda o déficit em segurança.
Após ano de cortes, Doria fechou 2017 com caixa maior do que iniciou. Em situação mais confortável, no ano em que concorreria ao governo, escolheu apostar num programa de R$ 550 milhões para recapear ruas. Além da visibilidade própria desse tipo de ação, a prefeitura ainda gastaria mais R$ 28,9 milhões para divulgá-la. Somando tudo, os gastos com essa bandeira se aproximam dos R$ 605 milhões orçados para cuidar da segurança em 2018.
Por trás do discurso oficial
'Fazer mais com menos' nem sempre se sustenta
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