Posição legal

Nada se sobrepõe ao valor da liberdade de expressão, como o apoio de Felipe Melo a Bolsonaro

Felipe Melo ergue os braços
Volante Felipe Melo, durante jogo do Palmeiras - Nelson Antoine/AFP

Artistas da TV e da música são presenças corriqueiras em campanhas presidenciais desde a redemocratização, embora sua participação pareça menor na disputa em curso —seja porque o tempo de propaganda encolheu, seja em razão das decepções dos últimos anos.

Esse tipo de engajamento se mostra bem menos comum e visível entre os ídolos do esporte, a despeito do acesso permanente a câmeras e microfones. Mais que isso, eventuais manifestações políticas nessa seara não raro são mal vistas.

É longa no país a história da associação entre as glórias do futebol e a exploração do sentimento ufanista por governantes. No último ciclo autoritário, em particular, os militares estendiam sua influência à seleção brasileira e aos campeonatos nacionais.

Vivemos outros tempos, no entanto. Não deveriam causar maior estranheza manifestações como a do jogador Felipe Melo, do Palmeiras, que aproveitou uma breve entrevista para dedicar o gol que marcara a Jair Bolsonaro (PSL).

Decerto que o episódio teve seu destaque amplificado em razão das vocações polêmicas do presidenciável, líder nas pesquisas tanto em intenções de voto como em rejeição, e do atleta, notório pela agressividade em campo e por frases contundentes fora dele.

O clube achou necessário divulgar nota para esclarecer que a declaração do profissional era “particular, e não da instituição”. Do óbvio se caminhou rapidamente ao ridículo —e arbitrário— quando se cogitou uma punição a Felipe Melo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

Assim se pronunciou o procurador-geral do STJD, Felipe Bevilacqua, em entrevista a esta Folha, embora inexista no regulamento desportivo vedação a atitudes como a tomada pelo jogador.

O caso poderia ser enquadrado, em tese, no artigo que prevê penalidades para o atleta que “assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva”. É evidente que redação tão genérica se presta a abusos repressivos.

Bevilacqua diz temer que o episódio abra um precedente perigoso. “Imagina se vira moda.”

Não seria belo espetáculo, de fato, times inteiros se dedicando ao proselitismo político durante as partidas. Tampouco se todos os artistas decidissem declarar seu voto durante aparições televisivas.

Hipóteses extremas e implausíveis não justificam uma punição que, de resto, não tem fundamento normativo. Eventuais excessos podem ser evitados com o uso de bom senso, no interesse do público que busca entretenimento. Nada se sobrepõe, porém, ao valor da liberdade de expressão.

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