Descrição de chapéu

Trump a sério

Chamou a atenção a notória falta de modéstia e de autocrítica do mandatário americano

O presidente americano, Donald Trump, durante discurso na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York
O presidente americano, Donald Trump, durante discurso na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York - Timothy A. Clary/AFP

Sem o aspecto do ineditismo que havia no ano passado, o discurso de Donald Trump na tribuna das Nações Unidas, na terça-feira (25), não chegou a provocar surpresa entre os demais governantes presentes à Assembleia-Geral. Estes testemunharam, em suma, a reafirmação das ideias —e incoerências— do presidente americano.

Constatou-se, uma vez mais, o desapreço aos organismos internacionais como meio preferencial de resolução de conflitos. A rejeição ao que chamou de “governança global”, em favor da “doutrina do patriotismo”, reforça a veia isolacionista de seu governo.

Oportuno recordar que esse sistema multilateral, no qual a ONU sobressai, emergiu no pós-Segunda Guerra por iniciativa dos Estados Unidos e de seus aliados e consolidou o papel americano de principal potência do planeta.

Para Trump, cada nação “responsável” precisa defender-se de riscos à soberania —termo pelo qual demonstra obsessão, pois o empregou dez vezes em sua fala— e fazer valer seus interesses. 

Tal lógica simplista, se aplicada à risca, sempre esbarraria em cenários nos quais a aspiração que um país entende como legítima entra em choque com as de outros.

Na prática, o chefe da Casa Branca acaba por expor a estreiteza de seu raciocínio ao reconhecer que os EUA nem sempre podem marchar sozinhos. Ele elogiou, por exemplo, a ajuda de Coreia do Sul, Japão e China na intermediação das negociações com a Coreia do Norte.

Eis, aliás, o maior ponto de inflexão entre o pronunciamento de 2017 e o de agora. O ditador Kim Jong-un, que era o “homem-foguete” e cujo país foi ameaçado de destruição completa, passou a ser chamado de “líder” e recebeu agradecimentos de Trump pelo acordo em que se comprometeu a abdicar de armas nucleares.

Chamou a atenção, ainda, uma manifestação da notória falta de modéstia e de autocrítica do mandatário americano. Em arroubo megalômano que fez evocar uma máxima do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse que sua administração, em dois anos, conseguiu mais do que qualquer outra na história do país.

Ato contínuo, ouviram-se risos entre os ouvintes, reação pela qual ele disse que não esperava. Entretanto nunca é demais lembrar que, em certa medida, Trump chegou aonde está porque, quando então um candidato aventureiro, não o levaram a sério como deveriam.

editoriais@grupofolha.com.br

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.