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Luciano Godoy

A proposta de uma nova Assembleia Constituinte se justifica? NÃO

Proposta inoportuna e inconstitucional

O advogado e ex-juiz Luciano Godoy, em seminário realizado pela Folha em 2014 - Moacyr Lopes Junior - 29.set.14/Folhapress

No aniversário de 30 anos da Constituição de 1988, é possível concluir que são inoportunas as propostas de elaboração de uma nova Carta, como as que têm surgido durante a campanha eleitoral. Não há, por ora, nem esperamos que haja, nenhum rompimento da ordem que justifique tal medida; este debate neste momento não presta um bom serviço à construção da nossa democracia.

Mais do que isso: do ponto de vista do atual sistema jurídico brasileiro, é insustentável o abandono da atual Constituição para a adoção de uma nova —seja por meio de uma Assembleia Constituinte ou pela convocação de um plesbicito para aprovação de um texto de notáveis.

Nosso sistema vigente já prevê um regime de alterações ao texto constitucional por meio de emendas, observadas as limitações das cláusulas pétreas, que não podem ser modificadas. A atual Carta é rígida, mas possui flexibilidade para ser emendada com quórum de 60% em duas votações em cada Casa do Congresso. Esse sistema trouxe resiliência ao texto, como escreveu o professor Oscar Vilhena nesta Folha no domingo passado (30).

A Constituição de 1988 resistiu ao tempo, aos governos, às crises econômicas e aos impeachments de dois presidentes da República. Isso só foi possível, justamente, porque ela foi emendada várias vezes, acompanhando a evolução da sociedade. 

Tivemos mais de cem emendas atualizando o texto sobre Previdência, sistema de Justiça, tributação, sistema eleitoral, a alteração de diversos marcos econômicos, precatórios etc. Se o texto é analítico, pode e deve ser atualizado.

O uso responsável do poder de emendar a Constituição é suficiente para os atores políticos atuais —de todos os matizes— exercerem seus mandatos de forma democrática. O presidente da República pode encaminhar ao Parlamento suas propostas, que serão devidamente apreciadas no rito já previsto.

Eventualmente, serão também analisadas também pelo STF, guardião e intérprete do texto, com o "monopólio da última palavra" sobre o direito nacional.

Esse é o jogo democrático.

Lembremos que a atual Carta também encerrou um período antidemocrático de 21 anos e foi produzida por uma Assembleia Constituinte. O núcleo do texto constitucional traz a configuração do Estado, formas de exercício de governo e limites da atividade governamental. E, o mais importante, estabelece os direitos e as garantias individuais para os cidadãos, bem como direitos sociais relevantes.

Já temos, portanto, os instrumentos legais para conduzir o desenvolvimento do país. Juridicamente, é inoportuno aposentar a atual Constituição.

Temos, no momento, duas sugestões. Uma vem no programa de governo do candidato Fernando Haddad, que defende um novo processo constituinte, com a eleição direta de membros exclusivos para confecção de um novo texto que solucione impasses, como a crise de representação política.

A outra partiu do general Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente de Jair Bolsonaro. Segundo ele, o novo texto deve ser elaborado por uma comissão de notáveis e, depois, ser submetido a um plebiscito. As duas propostas carecem de fundamento jurídico e de oportunidade. Nenhum governo precisa de uma Constituinte para implementar suas políticas.


Em resumo, não devemos, não podemos e não precisamos caminhar para o ambiente de insegurança que resultaria de um novo e inconstitucional processo constituinte.

O momento pede a confirmação da autoridade da atual Constituição.

Luciano Godoy

Advogado, professor da FGV Direito São Paulo e ex-juiz federal; mestre e doutor em direito pela USP

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