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Fábio Malini

As fake news foram decisivas nestas eleições? NÃO

Estamos na escuridão

A presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Rosa Weber, em entrevista sobre medidas de combate às fake news nas eleições - Pedro Ladeira - 21.out.18/Folhapress
Fábio Malini

Não há, na literatura científica recente, uma relação de causalidade entre fake news e mudança maciça de votos de indecisos. O que há é a comprovação de que pessoas mais envolvidas emocionalmente com uma candidatura consumirão e distribuirão mais histórias falsas para outras pessoas que pensam como elas.

Elas, então, agem como fãs, ora adorando, ora odiando determinados políticos. Portanto, histórias falsas tendem a reforçar convicções, tornando, aí sim, mais assertiva a decisão sobre em quem votar. Essa condição emocional desses eleitores também os torna mais atentos à proteção de seu grupo, o que impulsiona a distribuição de mensagens que reforçam verdadeiramente seus valores e crenças.

Se uma pesquisa aponta queda das intenções de votos, isso já é o suficiente para que o grupo aja para descredenciá-la. Se há um perigo, uma mensagem de proteção será enviada aos seus. Óbvio que em situações de maior comoção e que exigem decisões binárias, esse disparo autoprotetor torna-se o modus operandi de um cluster, o nome técnico para entidades (pessoas ou coisas) que estão associadas.

Em geral, um cluster surge de acordo com uma perspectiva política a ser sustentada em rede: pode-se estar no lulismo, pode-se estar no bolsonarismo. O pânico em torno do "poder do WhatsApp" fez retornar o ultrapassado conceito de manipulação de massas, que sustenta que todos os indivíduos são tolos o suficiente para acreditar em qualquer mensagem.

Mas lembre-se: indivíduos não estão atomizados nas redes sociais, estão em regime de coassociação, formando grupos de identidades políticas coesas. Nesse sentido, nas redes, a verdade dos fatos vai noutra direção: a história falsa só é falsa para quem não habita o ponto de vista que a sustenta. Portanto, a força do WhatsApp reside mais fora dele do que dentro.

Isso porque a desinformação é um fenômeno que ganhou lastro com a hegemonia das plataformas digitais na decisão de compra, de consumo e de voto. É a maneira como elas se organizam que deve ser questionada.

O caso brasileiro ganhou relevância porque são enormes as bolhas ideológicas que disparam com intensidade desinformação não apenas por meio de usuários de grupos de WhatsApp, mas principalmente por um ecossistema feito de websites e páginas em redes sociais, alimentado desde a forte polarização após a eleição de 2014, e reforçado por uma máquina pesada de regulação algorítmica das nossas vidas (a despeito do Estado Democrático), que nos empurra para uma hipervalorização do pensamento único.
Este, em geral, deságua em uma multiplicidade de exclusões.

Nenhum conteúdo que circulou no "Zap" é próprio dele. Esteve no Facebook, Twitter, Instagram, YouTube. E deriva de uma mesma estrutura política dessas plataformas, que impulsionam a criação de um ensimesmamento coletivo (o que chamamos de "falar pra gente mesmo".

Quando temos uma identidade de grupo, a chegada de uma tendência --o amarelo ou o vermelho-- será viralizada rapidamente; afinal, os iguais querem continuar sendo iguais. Estamos na escuridão porque deveríamos estar em campo, estudando com ferramentas novas de pesquisa, para jogarmos mais luzes sobre o impacto desse digitalismo em nossas decisões.

Mas, no lugar de ciência, o Brasil optou pela via policial para "tratar" a desinformação digital. Agora, o que colhemos? O pânico, a mediação mais utilizada por nós, seres do Whatsapp.

Vamos até 2020 vivenciar a experiência do pânico online, que se tornará a principal mediação para se obter a vitória política. Lembre-se, para se proteger, as bolhas viralizam rapidamente aquilo que nelas gera medo. Eis aí o nosso futuro.

Fábio Malini

Pesquisador em ciência de dados e professor de cibercultura na Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo)

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