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Henrique Goldman

Com amigos assim, quem precisa de inimigos?

Fiquei surpreso com protesto de Roger Waters

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Roger Waters pede resistência ao neofascismo no mundo
Em show, Roger Waters elenca Bolsonaro em lista de neofascismo - Reprodução/Twitter

Fiquei muito atento quando soube que Roger Waters iria fazer uma turnê no Brasil. Estava curioso para ver se o velho roqueiro progressista se manifestaria a respeito do que ocorre no país. A grande maioria dos artistas, intelectuais, políticos e ativistas britânicos permanece quieta e indiferente. Com pouquíssimas exceções, o Brasil simplesmente não existe fora da Copa do Mundo.

Um dos meus ídolos na adolescência, Roger Waters já há muitos anos tinha me decepcionado quando se tornou um monstro de arrogância e leviandade. Elegeu Israel como foco único e constante do seu ativismo político e passou a atuar como uma espécie de garoto-propaganda, porta voz e "caga-regra" do BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), movimento racista que promove o boicote econômico, acadêmico, político e cultural a Israel e que incita discriminação de estudantes judeus nas universidades britânicas. 

Waters causou inúmeras polêmicas, brigando publicamente com Thom Yorke, da banda Radiohead, e com o cantor e compositor australiano Nick Cave, entre outros, que ousaram tocar em Tel Aviv.

Sendo eu mesmo um ferrenho inimigo do delinquente e sectário atual governo israelense, o que incomoda profundamente em Waters e nos ativistas do BDS não são as justas denúncias contra os terríveis abusos de direitos humanos e a inaceitável ocupação ilegal de territórios palestinos. O problema é o gritante moralismo seletivo.

Quando --num mundo onde infelizmente não faltam barbáries, injustiças e segregações-- se elege arbitrariamente um objeto único de "pet hate" (ódio de estimação), a escolha passa a dizer mais a respeito dos preconceitos de quem a faz do que das injustiças em questão.

Qual é exatamente o critério para Waters promover um boicote a Israel de Netanyahu enquanto vai tocar no Brasil de Temer ou na Rússia de Putin? Será que ele já foi à Rocinha ou em Gaza para ver como as duas se parecem? Essa distinção é --por si só-- uma demonstração veemente e absoluta de um vergonhoso antissemitismo enrustido.

Confesso, então, que fiquei aliviado e surpreso ao ver Roger Waters, pela primeira vez, se pronunciando a respeito de um conflito que não envolve Israel. De forma corajosa, ele denunciou o candidato à Presidência racista, homofóbico e truculento, que ameaça mortalmente a nossa frágil democracia.

Quem sabe, quando Bolsonaro assumir a Presidência, Waters resolva encabeçar um boicote ao Brasil?
Sinto vontade de aplaudir e vaiar, beijar e chutar Roger Waters ao mesmo tempo.

Estes tempos impõem sentimentos complexos, contraditórios e dilacerantes aos corações. Seguindo os passos de Donald Trump, sempre tão ávido por agradar ao eleitorado evangélico e ultrajar muçulmanos, Jair MESSIAS Bolsonaro já avisou que em sua primeira viagem oficial como presidente irá a Israel e que a embaixada brasileira se mudará para Jerusalém.

Que bem tanto cinismo travestido de religiosidade pode trazer para o Brasil e para Israel? Com amigos assim, quem precisa de inimigos?

Henrique Goldman

Cineasta, dirigirá clipe de uma faixa que estará no próximo trabalho de Brian Eno

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