Descrição de chapéu

Insuspeita ditadura

Caso de oposicionista na Venezuela mostra semelhanças com o de Vladimir Herzog

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Porta-retrato com imagem de Fernando Albán sobre o caixão com o corpo dele na Assembleia Nacional, em Caracas
Porta-retrato com imagem de Fernando Albán sobre o caixão com o corpo dele na Assembleia Nacional, em Caracas - Ariana Cubillos/Associated Press

Argumentos existem à mancheia para classificar como uma ditadura o regime chavista sob o comando de Nicolás Maduro. Um deles é a perseguição sistemática a adversários, não raro por meio de prisões arbitrárias e de maus-tratos.

Tal face sombria se fez notar uma vez mais na segunda-feira (8), após o anúncio de que o vereador oposicionista Fernando Albán havia morrido dentro do prédio do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), a polícia política de Maduro.

Tão logo se soube do ocorrido, autoridades apressaram-se em apontar para suicídio. Por haver diversas evidências de que a sede do Sebin funciona como um centro de tortura, a desconfiança em relação à versão oficial foi imediata.

Não fosse o bastante, o próprio governo divulgou relatos discrepantes. Primeiro, Albán teria se jogado da janela de um banheiro. Depois, a história foi reformulada: ele teria pedido para ir ao sanitário apenas para desviar a atenção de agentes; em seguida, correu na direção de uma janela panorâmica e saltou do 10º andar para o vazio.

As circunstâncias estranhas, para dizer o mínimo, levaram a ONU, a União Europeia e a maioria dos países do Grupo de Lima, incluído o Brasil, a cobrar uma investigação transparente. Não acusaram o regime de participação —ao contrário da Casa Branca, que também pediu o restabelecimento da democracia na Venezuela.

O caso mostra semelhanças evidentes com o do jornalista Vladimir Herzog, morto nas dependências do Doi-Codi, em São Paulo, em 1975, após apresentar-se de forma espontânea às autoridades. 

Um dos símbolos da ditadura no Brasil (1964-1985), a foto de seu corpo pendurado por uma tira de pano atada a uma janela mostrou-se uma manipulação grosseira a fim de sustentar a tese de que Herzog se enforcara na cela.

O repúdio generalizado da sociedade civil ao episódio se provaria um ponto de inflexão do regime militar, compelido a diminuir a amplitude de seu aparelho repressor.

Seria prematuro dizer que a morte de Albán —acusado de envolvimento em um suposto atentado com drones contra Maduro, em agosto— pode levar ao mesmo nível de pressão popular. Dada a reduzida chance de que o governo permita uma apuração isenta, é provável que tudo permaneça no terreno do obscuro.

O risco de ficar incerto o papel do aparato chavista nesse caso não será capaz de esconder, porém, a essência do que se vê em curso na Venezuela nos últimos anos. Não há margem para suspeitas de que se está diante de uma ditadura.

editoriais@grupofolha.com.br

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